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QUANDO EU PARTIR…

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QUANDO EU PARTIR…


O pôr do sol, o novo amanhecer no mesmo horizonte, mostram que não deve haver lamentos quando eu partir. O mar continuará em movimento, repleto de sons e de espuma quando as ondas vão e voltam. Incessantemente. Aquele que saiu das vastas profundezas volta ao lar. O crepúsculo, no cair da noite, e depois as trevas, pede que não haja tristeza, na despedida. Quando eu embarcar para a última viagem. Apesar de de sair do tempo, quando eu for levado para sempre, espero ver meu Piloto na roda do leme guiando minha nau. Quando eu tiver cruzado o último mar da vida. Depois de ter enfrentado e vencido ondas e ventos.

“Queremos a sua solidão robusta,/ uma solidão para todos os lados,/ uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,/ e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia. A solidez da terra, monótona,/ parece-nos fraca ilusão./ Queremos a ilusão grande do mar,/ multiplicada em suas malhas de perigo/”. Outros versos: E assim como água fala-me. / Atira-me búzios, como lembranças de sua voz, /E estrelas eriçadas, como convite ao meu destino. / Não me chama para que siga por cima dele, / Nem por dentro de si: / Mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom. / Não me quer arrastar como meus tios outrora, / Nem lentamente conduzida. / Como meus avós, de serenos olhos certeiros. / Foi desde sempre o mar, / E multidões passadas me empurravam / Como o barco esquecido. / Agora recordo que falavam / Da revolta dos ventos, de linhos, de cordas, de ferros,/ De sereias dadas à costa. (Cecília Meirelles).


É doce morrer no mar / Nas ondas verdes do mar / A noite que ele não veio foi / Foi de tristeza pra mim / Madrugada não voltou / Saveiro voltou sozinho / O marinheiro bonito / Sereia do mar levou / Triste noite foi pra mim / Nas ondas verdes do mar meu bem / Ele se foi afogar / Fez sua cama de noivo / Nos braços de Iemanjá (Jorge Amado / Dorival Caymmi).

A VIDA É UMA SINFONIA INACABADA

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A VIDA É UMA SINFONIA INACABADA


Os sonhos, a poesia, a música, me acompanham desde a meninice. Sempre gostei de música. Hoje, compondo textos, ouço música. Gosto de viajar ouvindo música, gosto de dormir ouvindo música. A música me conduz por caminhos invisíveis, devaneios, sonhos. Sinto-me transportando uma carga de transcendência espiritual muito bem protegidas, numa viagem através de memórias indescritíveis. Carga que me pertence, ou são propriedade da humanidade que repousa em cada um de nós. A música nos desperta para sertirmos a aproximação de um mundo invisível, intangível, embora sentido em intensidades variáveis. Uma sinfonia é assim, parábola de uma vida, especialmente quando executada por uma orquestra divina.
[0] A vida é uma sinfonia inacabada. Amores viajantes, peregrinos, surgem das partituras, no brilho dos instrumentos, contratempos muitas vezes doloridos, impressões vagando entre saudades e desilusões, percorrendo lembranças não identificadas no tempo de uma existência. Um universo muito mais vasto do que se pode imaginar surge num excerto, no Adágio da 5a. Sinfonia de Mahler. Creio.
[0] O adagietto extraído da 5a.Sinfonia, de Gustav Mahler, dura dez minutos, traz-me uma sensação de infinitude, a qual não posso evitar. Pra mim, uma exaltação do que há de mais elevado no espírito da humanidade, além dos planos morais altos, ou dos planos religiosos comuns. Esta sinfonia prova as possibilidades de transcendência poético-musical além da realidade da dor e do sofrimento que nos acompanham nesta pandemia devastadora, e tragédias de vidas perdidas sob a irresponsabilidade de quem deveria proteger e cuidar da saúde do povo. Deveria ser ouvida, porque transcende a tragédia moral que nos acomete, quando nos submeteram a um poder como o que está sobre nós neste momento. Como se fora um mal irreversível… Mas não é
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NAS ASAS DE UMA CANÇÃO

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NAS ASAS DE UMA CANÇÃO

Sem ambiguidades, sentimentos diferentes, ao ouvirmos uma canção que nos tem acompanhado a vida toda, é inegável que ecos de transcendências se escondem nos sons. Trata-se de uma impressão inexplicável, ingresso num mundo novo, além desta vida. Algo como o alívio de alguma aflição, ou da opressão cotidiana. Alguma coisa maravilhosa, celestial, alcançada no canto do poema, nos acordes, nos naipes instrumentais de cordas, sopro, percussão, colorindo a melodia. Olhos veem cores, mas como negar o colorido do poema e dos sons que chegam à nossa alma? Um universo de cores infindáveis invade nossos sentidos, como se fôramos elevados a um espaço amplo, espantoso. Acima dos sentidos, porém capaz submergir-nos na profundidade do mundo desconhecido além da vida terrena. “Não sei o que se passava no meu espírito, nem entendo a melancolia da hora. Permaneço imóvel, deixando-me penetrar suavemente pelos sons de uma canção.

Parece que a música percorre minha alma, um conjunto inexprimível de sensações, uma serenidade celestial. Uma leve tristeza motivada pela saudade de coisas e acontecimentos que não sei mais identificar. Alguma coisa que adormece e ao mesmo tempo desperta, esta ocorrendo”. Gaston Bachelard comentava um escrito de Victor Hugo: “Assim é todo um universo que contribui para a nossa felicidade, quando o devaneio provocado pela música vem acentuar o repouso necessário à alma aflita”. Penso eu que o devaneio poético é um sonho cósmico, uma abertura para o mundo da beleza. E, como dizia Rubem Alves, “fora da beleza não há salvação”.

Nas asas de uma canção, como disse o compositor da Mangueira Nelson Sargento, entre luzes de Cartola, Paulo César Pinheiro, grandes na poesia das canções, se encontra inspiração para outras canções. Poemas de amor profundo, na reunião de notas musicais capazes de preencher nossa alma de êxtase. Especialmente a minha, no ocaso da vida. Canções que aliviam almas cansadas, retirando-as do abismo das desilusões e amores perdidos, durante a jornada de uma vida.

música

DESPEDIDAS E CHEGADAS

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DESPEDIDAS E CHEGADAS


Estávamos na praia, brisa de verão. tínhamos nos despedido do nosso amigo, que partia na sua última viagem. Que falta fazia neste momento um lenço branco… Adeus! Olhos enevoados, lembranças inesquecíveis, saudade que povoará os sonhos. Os braços se estendem para os acenos de despedida. Observávamos o veleiro afastar-se do porto, ganhando o mar alto, mar adentro, mastros bem altos, velas enfunadas, sopradas pelo vento. Naquele dia, o veleiro afastava-se da costa navegando com suavidade, impelido pelo vento forte num dia de sol e nuvens brancas no céu. Um espetáculo de extraordinária e rara beleza. O barco, impulsionado pela força dos ventos, ganhando o mar tão azul quanto o céu no horizonte. Cada vez menor aos nosso olhos. As velas, as bandeiras no alto dos mastros, ainda visíveis, apesar da imagem pequena do veleiro.

Um pouco mais e só podemos ver, na distância, um pequeno ponto branco na linha do horizonte, onde o mar e o céu se encontram. Quando parece que o céu despeja seu azul nas águas distantes do oceano. O barco some aos poucos, no horizonte. — “Foi embora!”, alguém exclamará. Outro perguntará: “Sumiu no mar? Foi embora de vez? Evaporou no nevoeiro?” Não… não… não, sabemos. Apenas o perdemos de vista. O barco continua do mesmo tamanho, e leva o nosso querido amigo. Tinha o mesmo tamanho, a mesma capacidade de navegar em mar alto de antes, quando estava no cais, perto de nós. Levará nosso amigo querido ao outro porto de destino. Última viagem, aqueles que amamos foram para o outro lado da vida. O veleiro não desapareceu, nem nosso amigo. Apenas não os vemos do lugar onde estamos. Da praia ou do cais.

Logo, na distância que não alcançamos, eles serão vistos pelos que estão do lado de lá, para receber aqueles de quem nos despedimos do lado de cá do oceano. Outras vozes e outras mãos acenam os lenços brancos da chegada. — “Lá vem eles!”. No lado de lá, o porto da recepção. São os dois lados da mesma viagem. Partidas e chegadas, despedidas e encontros. O mesmo barco, o mesmo embarque e desembarque. Quem ficou espera as notícias daquele que chegou da viagem da qual não vai voltar. Não devem. Ele foi para ficar e esperar os que vêm na próxima viagem. São os dois lados da mesma viagem. Tem gente que vai pra nunca mais voltar, tem gente a sorrir e a chorar na hora da partida. Na despedida e na chegada há lenços brancos acenando. O barco que chega do outro lado é o mesmo da partida. — “Vem, me dê um abraço bem apertado”!, na chegada, dizem os que trazem nas mãos os lenços brancos. É a última viagem, e também a última chegada… o último cais, a última jornada.

O SEGREDO DA BORBOLETA

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O SEGREDO DA BORBOLETA

Um dia um ovinho deixado numa pétala de flor foi abrigado no ventre de um casulo. Dentro do corpo do casulo o ovinho eclodiu, e nasceu uma lagarta sinuosa e aveludada. A lagarta cresceu, e alcançou forças para romper as paredes do ventre do casulo. Mas, o casulo morreria e ficaria seco depois da libertação da lagarta. Era assim… sempre foi assim. Depois, a lagarta movimentou-se pelos galhos e ramos da acácia amarela que foi sua primeira casa. Ficou amiga da árvore, e viu um dia que suas folhas se desprendiam dos ramos, e caiam no chão formando no gramado imensos tapetes de pétalas coloridas na cor do ouro. Um dia a lagarta vestida de veludo surpreendeu-se. Seu corpo começava a mudar, nasciam asas azuis, violetas, vermelhas, rosadas, misturadas em cores e matizes inacreditáveis. E descobriu que poderia voar… precisava voar.

Era, agora, uma borboleta esvoaçante, pronta para explorar jardins de mil flores, mil cores, mil amores. Porque as borboletas amam as flores. Tudo para ser contemplado e receber a admiração dos que podem ver e sentir o encantamento dos jardins. Pousaria em cada pétala de flor, se pudesse. E tomaria emprestados os tons coloridos das flores, confundindo-se com elas. Delas também tiraria o néctar que a alimentaria por toda a vida.Mas, chegou o momento, a hora e o dia, no qual percebeu que as flores murchavam, perdiam as cores e caiam dos ramos onde brotaram um dia. Entendeu, assim, o segredo da vida. Soube que ela mesma passaria pelas mesmas transformações. O ovo e a semente sempre serão o início e o reinício infinito da vida. Um encantamento! O grande segredo que casulos, borboletas, árvores e botões de flores perpetuam eternidade adentro.

A borboleta entendeu que chegara a hora de revelar-se em seu próprio segredo. Pousou numa folha de acácia amarela, depositou seus ovinhos. Um casulo os recolheu, fez um ninho, e pendurou-se num ramo. E… Ah!, os segredos da borboleta, do casulo e das flores seriam contados infinitamente, pois o tempo e a vida nunca chegam ao fim. Testemunham a vida infinita, é preciso contar essa história para todo o sempre.

A ESPERANÇA SE CHAMA “DEUS”

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meditação - faixaE NO ENTANTO A PRIMAVERA PREPARA O VERÃO INVENCÍVEL
QUE HÁ EM NÓS
[1]
Ah! Há tantas canções inúteis, fracas para entortar o cano das armas, para ressuscitar os mortos, para engravidar as virgens, mas não tem importância, elas continuam a ser cantadas pela alegria que contém… E há os gestos de amor, os nomes que se escrevem em troncos de árvores, preces silenciosas que ninguém escuta, corpos que se abraçam, árvores que se plantam para gerações futuras, lugares que ficam vazios, à espera do retorno, poemas inúteis que se escrevem para ouvidos que não podem mais ouvir — porque alguma coisa vai crescendo por dentro, um ritmo, uma esperança, um botão –, pela pura alegria, um gozo de amor. E me lembrei de um pôster que tenho no meu escritório, palavras de Alberto Camus: “No meio do Inverno eu fi nalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.”
[2]
Agradeci àquele arbusto silencioso o seu gesto poético. Ah! Sim, quando os pássaros fugiam amedrontados eles levavam no seu
voo as marcas do Inverno que se aproximava. Quando as árvores pintavam suas folhas de amarelo e vermelho, como se fossem ipês ou flamboaiãs, era o seu último grito, um protesto contra o adeus, aquilo que de mais bonito tinham escondido lá dentro, para que todos chorassem quando elas lhes fossem arrancadas. Sim, eles sabiam o que os aguardava. E os seus gestos tinham aquele ar de tristeza inútil ante o inevitável. Mas aquele arbusto teimoso vivia em um outro mundo, num outro tempo. E, a despeito do inverno, ele saudava uma primavera que
haveria de chegar… (RUBEM ALVES)

CANDELÁRIA

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Dormem no meu jardim as açucenas brancas / Os nardos e as rosas / Dormem no meu jardim as açucenas brancas, / Os nardos e as rosas / Minha alma mui triste e pesarosa / Quer esconder das flores sua amarga dor. / Não quero que as flores saibam das tormentas que a vida me dá / Se soubessem como estou sofrendo / Chorariam também pelo meu sofrimento. / Silêncio, que estão dormindo os nardos e as açucenas/ Não quero que saibam do meu sofrimento / Porque se me virem chorando / Morrerão… [Extraído do filme cubano “Candelária”].

Dormem no meu jardim as açucenas brancas /
Os nardos e as rosas /
Dormem no meu jardim as açucenas brancas, /
Os nardos e as rosas /
Minha alma mui triste e pesarosa /
Quer esconder das flores sua amarga dor. /
Não quero que as flores saibam/

Das tormentas que a vida me dá /
Se soubessem como estou sofrendo /
Chorariam também pelo meu sofrimento. /
Silêncio, que estão dormindo os nardos e as açucenas/
Não quero que saibam do meu sofrimento /
Porque se me virem chorando / Morrerão…
[Extraído do filme cubano “Candelária”].

BASTA SONHAR COM VOCÊ…

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BASTA SONHAR COM VOCÊ…

BASTA SONHAR COM VOCÊ...
Sonhando com você, nossa vida na última curva,
Sei que posso ir ao fundo de qualquer profundidade.
Abismos podem ser atravessados na ponte dos desejos.
Por você posso inventar caminhos e pontes, qualquer mundo,
Basta sonhar com você.
Ao sabor dos sonhos, posso encher um mar inteiro,
Olhar as fontes, donde correm as águas que escorrem pelas serras.
Posso amar, abraçar e afagar seu corpo,
Dos seus beijos hálitos doces emanam.
Posso morar nas nuvens, num lugar pertinho do céu,
Basta sonhar com você.
E no aconchego da pele na pele, carne com carne,
Entender que, como mulher, você foi feita pra mim,
Do jeito que foi inventado o prazer.
Você é pra mim como um dia de sol,
Com sua luz sou capaz de construir usinas,
Usando a energia que vem de você.
A força da alegria sai das turbinas que me trazem a você.
E criam a pulsão da existência que me impulsiona dia e noite sem parar.
Dobrando as curvas da vida, mesmo quando já estiver de partida,
Verei você, e sei o meu caminho, que não foi um caminho sozinho.
Porque você me recebeu no seu caminho, anda comigo nos meus sonhos.
Abismos podem ser atravessados na ponte dos desejos.
Por você posso inventar caminhos e pontes, qualquer mundo
Basta sonhar com você.

O LUGAR QUE PROCURO…

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O LUGAR QUE PROCURO…

O LUGAR QUE PROCURO
Fui criado perto das águas, do rio e do mar.
Comi cascudo e bagre, traíra e piáu, vermelha, com temperos de coentro,
cebola e tomate, na beira dos rios da minha infância.
Conheci também pescadores que montavam seus barcos oceano afora
atrás de tainha, robalo, cação e sardinha.
Sem esquecer o namorado, o linguado e o xerelete.
Nas areias e nos mangues o siri patola, o caranguejo,
o guaiamú, a ostra e o marisco.
Tantas vezes comi pescadinha, pirão de banana-da-terra,
polpa de coco verde, fruta-pão assada, com manteiga, nata,
Comida que nunca esquecerei.
Do mesmo modo, nas vilas de pescadores,
vejo os balaios, as praias onde se colhem búzios,
conchas, seixos, estrelas do mar sem vida,
cavalos-marinho, as pedras com bacias
que aprisionavam baiacus,
os carretéis de cipó que os pescadores
enrolavam com as próprias mãos,
redes furadas que precisavam ser consertadas.
Estou perto, e quanto mais perto
sinto os amores, as distâncias que já percorri.
Por toda a minha vida.

A ampulheta do tempo foi virada outras tantas,
desceu a areia em grãos incontáveis,
quantas folhinhas do calendário foram rasgadas,
para acompanhar o tempo da minha vida.

Rodaram os ponteiros do relógio por milhares de vezes,
até que eu chegasse aqui, à procura
dos caminhos da minha infância.
+
Ouvi cantigas que ninguém canta mais,
modinhas, cirandinhas, cantigas que rodaram pelas fazendas,
cânticos dispersos que flutuavam no ar,
Ainda ouço as canções encantadas que tropeiros
levavam de lugar em lugar, enquanto transportavam
açúcar, arroz e café para as vilas e fazendas.
Mas, hoje, velho e farto das coisas dos rios e do mar,
busco lugares mais perto do céu,
montanhas, matas, bosques e florestas,
lugares com nascentes, ribeiros, cachoeiras,
serras, pássaros, frutas do mato, araçás, maracujás, seiva boa,
arco-íris depois da chuva, garoa espessa no amanhecer,
areais de brancura incomparável na beira do rio,
magia das águas que transbordam das represas,
fontes de água doce pra beber em copos de taioba. 
Estou perto, e quanto mais perto
sinto os amores, as distâncias que já percorri. 
Por toda a minha vida.
A ampulheta do tempo foi virada outras tantas,
desceu a areia em grãos incontáveis,
quantas folhinhas do calendário foram rasgadas,
para acompanhar o tempo da minha vida.

CANDELÁRIA 
Dormem no meu jardim as açucenas brancas /
Os nardos e as rosas /
Dormem no meu jardim as açucenas brancas, /
Os nardos e as rosas /
Minha alma mui triste e pesarosa /
Quer esconder das flores sua amarga dor. /
Não quero que as flores saibam das tormentas que a vida me dá /
Se soubessem como estou sofrendo / Chorariam também pelo meu sofrimento. /
Silêncio, que estão dormindo os nardos e as açucenas/
Não quero que saibam do meu sofrimento /
Porque se me virem chorando /
Morrerão...
[Extraído do filme cubano "Candelária"].

SOBRE ANIVERSÁRIOS E A FINITUDES…

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SOBRE ANIVERSÁRIOS E A FINITUDES…
SOBRE ANIVERSÁRIOS E A FINITUDES…
Martin Heidegger pensava que o fato mais natural da vida dos mortais é a morte. Esse extraordinário pensador compreendia que a finitude do ser humano se torna absoluta e essencial quando alguém encara sua condição finita: “cada vida humana caminha irremediavelmente para a morte”. Atenção, pois Heidegger acentua e exacerba a importância da vida humana, do corpo, da carne, enquanto a existência humana é representada pelo “ser-em-si”, reconhecendo-se em sua humanidade e existência com os demais, antes da morte.
A morte, não obstante, não vem de fora. A morte é a suprema possibilidade de plenitude. Por isso eu posso dizer:– “Quando eu morrer, levarei minha morte comigo”. Suas ponderações são, seguramente, pouco diferentes daquelas desenvolvidas por Max Scheler, filósofo preferido de Paul Tillich, que muito o divulgou como esteio para as filosofias existencialistas cristãs.
Uma águia real pode viver setenta anos, se aos quarenta assumir o que deve ser feito. O bico enfraqueceu com a idade e se curvou, impedindo que a águia continue sua caça normalmente. As unhas estão gastas e enfraquecidas, a penas estão murchas, o corpo pesado desliza com dificuldade nas correntes de ar. A águia, então, toma a decisão necessária, sobe ao ninho na alta montanha para reorganizar suas forças e potenciais. O processo se completará em cinco meses. A águia começa por bater insistentemente o bico na pedra até arrancá-lo completamente. Depois, aguarda nascer o novo bico. Após semanas, com o bico renovado, arranca as unhas gastas, uma de cada vez. Em seguida, retira uma a uma as velhas penas e aguarda o renovo das duas. A partir daí viverá mais trinta anos. É o bastante…
Não espero tanto, já agradeço muito aos Céus pelo que alcancei, nos meus 80 anos de vida. Daqui para diante tudo é lucro. Obrigado, amigos, por terem-se lembrado de mim.
Derval Dasilio
Obs: Atualizando a nota publicada quando completei 75 anos de idade.
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Dormem no meu jardim as açucenas brancas /
Os nardos e as rosas /
Dormem no meu jardim as açucenas brancas, /
Os nardos e as rosas /
Minha alma mui triste e pesarosa /
Quer esconder das flores sua amarga dor. /
Não quero que as flores saibam das tormentas que a vida me dá /
Se soubessem como estou sofrendo / Chorariam também pelo meu sofrimento. /
Silêncio, que estão dormindo os nardos e as açucenas/
Não quero que saibam do meu sofrimento /
Porque se me virem chorando /
Morrerão…
[Extraído do filme cubano “Candelária”].

APRENDO COM OS QUE AMAM A SIMPLICIDADE

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derval - cartão
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Na cidade, há homens que dirigem bancos, outros governam o mundo desde o alto de torres envidraçadas. Alguns vivem confeitando pães.
Há outros que parecem loucos, e os que adoram os jogos e o brilho das luzes (disse um poeta anônimo).
Os que preferem a arte de Picasso, a poesia de Neruda e Borges… o cinema como o de Bergman.
Há arquitetos que fazem cidades, edifícios em curvas e formas redondas, como Niemeyer;
planejam cidades, como Lúcio Costa, ou inventores do futuro, como Le Corbusier…

Há homens que negociam ações, outros que batem cartão de ponto. Alguns se jogam sem medo nos abismos, outros fazem rapel, ou pisam em terrenos pantanosos, duvidosos, sem medo de afundar… Há os que vivem da vida absurda, escondendo-se ou esforçando-se para não mentir ou trair, ocupados demais para reinventar a vida, atrás de um bom desempenho para alcançar coisa nenhuma. Outros que tocam na alma da gente com luvas de veludo, e outros que ferem o espírito com botas de ferro… E também homens que passam a vida tentando colocar a cabeça acima da manada, como se fossem os únicos diferentes do rebanho levado ao matadouro, inutilmente.

Há homens que inventam o futuro. Outros vivem felizes porque viveram um grande amor, e muitos outros que levam a vida com objetivos elevados,
constroem metas humanitárias, querem humanizar a vida com invenções de conforto na saúde, no transporte, no trabalho, na urbanização que torna agradável habitar nas cidades.

Há outros que preferem a simplicidade, são almas menos exigentes, gostam da trivialidade, da vida simples e sem complicações. Gostariam de não ter cartão de crédito, não ter carro, não depender de elevadores e não receber boletos de contas a pagar, todos os dias.
Gostariam de não ter telefone e não receber ofertas de serviços funerários através de uma voz eletrônica. Contentam-se com as paisagens e imagens da vida no campo. Coisas menores, que alguns chamariam de mediocridade.
Eu sou desse tipo. Tudo o que eu quero fazer, é morar junto de um parque, de jardins e pequenos bosques, próximos de uma colina.

Derval Dasilio
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NAVEGANDO NO OCEANO DE TUA ALMA

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NAVEGANDO NO OCEANO DE TUA ALMA

NAVEGANDO NO OCEANO DE TUA ALMA
Falta-me um veleiro, um mastro de muitas velas,
para navegar dentro de tua alma e te encontrar,
e entender um pouco dos teus mistérios.
Penso no interior profundo em que guardas tesouros
inimagináveis como a infinitude de um amor solitário.
Navegar em tua alma é tudo que eu quero.
O mar deveria ser uma realidade por si mesmo,
mas é mistério, e para entendê-lo preciso encontrá-lo
nas profundezas da tua alma.
Falta-me um veleiro, um mastro de muitas velas,
para navegar dentro de tua alma e te encontrar,
e entender um pouco dos teus mistérios.
[]
Ambrósias perfumam tua alma,
delas faço licores imaginários
Para degustar contigo.
Um devaneio que habita numa zona profunda como tua alma.
Sonhando eu me dispo para entrar no teu mar,
e te vejo encantadora, realidade sensual primitiva,
falando de uma beleza interna,
ondas e espumas flutuantes,
imagens do fluido lunar que envolve teu corpo.
Falta-me um veleiro, um mastro de muitas velas,
para navegar dentro de tua alma e te encontrar,
e entender um pouco dos teus mistérios.
[]
Um oceano seria necessário para afogar as chamas
que queimam que não entendo nem quero entender.
Nem mesmo com toda água do universo inteiro
eu conseguiria compreender os sentidos da vida,
e apagar o incêndio em minha alma, por tua causa.
Preciso deslindar esses mistérios,
conhecer ao menos alguns dos teus segredos,
para te amar ainda mais.
Pra te envolver no meu próprio mistério.
Um oceano me inunda por inteiro,
sem apagar as chamas do meu amor por ti.
Falta-me um veleiro, um mastro de muitas velas,
para navegar dentro de tua alma e te encontrar,
e entender um pouco dos teus mistérios.

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INSUSTENTÁVEIS SEGREDOS DA ALMA PROFUNDA
[1]
Sei de segredos escondidos
em cada página do livro da vida.
Entre eles te encontro na palavra misteriosa do amor.
Sei, porém, que teus segredos são invioláveis,
e que ao mesmo tempo
eles não representam uma realidade
que não queres revelar a ninguém.
E, nem deves oferecer revelações que não queres,
ao mundo à sua volta.
[2]
És mais bela porque também escondes os teus segredos,
as coisas secretas guardadas aos olhos dos demais;
as coisas que não te confundem com a multidão,
e nem por isso trazem desolação à alma de alguém.
[3]
Alguém como tu.
Alguém, minha bem amada,
que tenha feito de um juramento um poema;
que tenha escolhido uma estrela,
apenas, nas miríades do céu estrelado,
para te encontrar entre as constelações.
Alguém que tenha sido alvo de promessas de amor,
que tenha dito que és maior do que tudo que existe,
e que tenha prometido amar-te por toda vida.
Esse alguém deverá ser considerado traidor,
se cantou em versos a revelação dos teus segredos.
Porque jamais se exige de quem amou,
e a quem se entregou, revelando seus segredos,
que devesse ser retribuído da mesma maneira.
[4]
Porque é sagrada a inviolabilidade dos segredos
de uma alma amante.
Segredos são guardados no quarto proibido
dos contos de fada.
Pois o amor é um conto de lealdades,
e não de traições.
É ilícito e perigoso romper a fechadura desse quarto.
Não devo, jamais, querer saber tudo sobre quem amo,
e assim mantê-la à mercê do medo e da traição possível.
[5]
[Quando eu te amo,
tua alma desliza para dentro do meu abraço,
e teu corpo penetra nas profundezas do meu corpo].
Conheço-te, amada, e tudo farei
para manter-te desconhecida,
sem o medo de seres violada em teus segredos.
Recuso-me a saber tudo sobre ti,
pois é o teu mistério que me aproxima de ti
e me faz amar-te.
[6]
O sol na pele, o sabor lembrado, do beijo,
o gosto na língua,
o cheiro,
o perfume de jasmim nos teus cabelos,
fazem parte dos teus mistérios.
Um segredo faz parte da comunhão
de um ser com seu eu profundo.
Segredos se confundem com as variações
e ilusões do mundo real,
onde se misturam lembranças,
arbustos verdejantes,
limo nas rochas,
pássaros,
chuva fina encharcando a relva,
orvalho nas flores,
e o próprio seio de uma alma profunda.
Felizmente indescritível e indevassável.
O aparentemente insustentável peso de amar em segredo, contigo, minha querida, torna-se uma leve pluma esvoaçando sobre as árvores de um bosque em flor.
Derval Dasilio
[*][*][*][

REDEMOINHOS E PROFUNDIDADES
As águas profundas,
amiga, devem ser contempladas
como se estivéssemos num sonho.
Porque um devaneio ajuda a elevar
a alma profunda de um sonhador,
quando em busca de alimento para a alma.
O movimento das águas, os redemoinhos
e as correntes d’água,
refletem o mundo real em que vivemos.
Encontro-me na margem de um lago de águas profundas,
composto de limo, pedras, pássaros e árvores,
e outras plantas e arbustos vicejantes.
Um devaneio diante de águas límpidas
faz minha alma encontrar o seu repouso.
O descanso do sonho de um amor,
que poderia ter permanecido puro para sempre,
contudo, jamais me aconteceu.
[|]
UM LAGO PROFUNDO EM TERRAS ESCURAS
De fato,
procuro um firmamento de luz,
estendido sobre a terra escura,
e ainda mais impenetrável que a noite mais profunda.
Em cada lagoa há reflexos de um céu estreito.
Um céu que emerge do mergulho
no mundo subterrâneo da alma.
[|]
SONHOS DA PAIXÃO VARANDO A NOITE
O teu amor é maior que o meu,
mas aumenta o meu valor.
Um amor, se exaltado, deve dominar uma vida,
e arrastar outras vidas para os píncaros mais altos.

AOS 80 – ÉBRIO DE LUZ E DE ESPERANÇA

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AOS 80 – ÉBRIO DE LUZ E DE ESPERANÇA
fim de agosto (2)AOS 80 – ÉBRIO DE LUZ E DE ESPERANÇA
Aos 80 anos, pinto um quadro novo para minha vida, ébrio de luz e de esperança.Os dias finais de minha vida física não me impressionam mais que os dias que já vivi. Acompanho minha mulher,casamento recente desde a segunda viuvêz, buscando a vida de ar puro, de paisagens verdejantes, serras e montanhas, onde pretendemos viver parcialmente. É preciso ficar de pé, observar os ventos leves, o sol que aquece nosso corpo e todo o universo do nosso mundo. Ver a luz que desce do céu, as águas mansas do lago, e cultivar sorrisos limpos, brilhantes, sinceros, incontaminados da hipocrisia. Observar melhor o que saltita musicalmente no palco ao nosso redor, o balé das criaturas felizes e inocentes. Quando crianças, ignorávamos as palavras de inveja, despeito, desprezo dos outros. Éramos ricos das coisas naturais, do carinho de mãe. Desfrutávamos da vida livre sob o sol e a chuva, o campo, as matas, os rios, as cachoeiras. Ou o mar, as praias, as ondas e o sol. Éramos contentes por viver, sem perguntar nada sobre a infelicidade e o sofrimento. Mas eles existiam, e levavam muitos ao desespero. Chegávamos ao extremo da lógica, da razão iluminista, enquanto era refreado o romantismo. A negação da ternura e da poesia que há em tudo que nos cerca.
Porém, e felizmente, há uma luz que não se apaga. O brilho que não queremos perder, nem queremos renunciar ao mesmo. Eles não nos abandonam, nem permitem que nos percamos em atalhos perigosos. Vocês sabem do que estou falando. Por mim, sei que não sou mais aquele rapazinho sensível, audacioso, louco por aventuras, amores ferventes, experiências novas. Chega! Meu presente é forrado de tudo que preciso para minha vida de velho. Livros, memórias, netos, filhos com a vida resolvida. E acompanhado de uma mulher maravilhosa. Fui feliz antes, posso seguir em frente, ignorando a embriaguês da futilidade e artificialidade. Experimentei muitas coisas boas em minha vida. Esqueço as más experiências, não me deixo afogar pela nostalgia. Sei que posso caminhar na direção do amor e do desejo. .
Aprendi muitas lições, outras ainda vou aprender. Evitei perder-me em grandezas inúteis para bem viver. O tremeluzir da vida, com raios que cortam o céu anunciando tormentas não me impressionam mais. Tudo que trouxe à minha vida aromas violentos, o sol causticante sem a sombra de uma árvore para descansar, parecem-me futilidade diante de sorrisos em faces luminosas transparentes de amor. Por fim, creio que posso voltar aos perfumes da terra, às essências que exalam nos abraços e suspiros da mulher amada; aos esforços do tempo para penetrar na eternidade. Mar, montanhas, lagos e flores, fazem parte do meu itinerário na minha velhice.
Quero, ainda, mergulhar no mar, deitar na relva no meio do bosque, e sorver o perfume da terra. Afogar minha pele em abraços da mulher amada, dos amigos e das amigas. Acasalar meu corpo com o mundo, embrenhar-me em absintos, para que meu corpo sinta realização e orgulho da minha condição de homem, depois de transbordados os dias de juventude. Depois do gosto de sal, o banho de mar, voltar a respirar os ares das montanhas onde nasci. Depois de fugir da insensatez do senso comum tomado por símbolos, imagens, e ideologias imbecis. Como já dissera Albert Camus, “um sol invencível quer me iluminar”. Devo me expor a essa luz. Não conheço a tristeza, tenho gosto de procurar, ainda, a felicidade fundamental. A eternidade é inocente, está além dos ídolos autoritários, falsos combatentes da corrupção, no fascínio ideológico provisório do momento, os quais não me impressionam, por sua temporalidade e prazo de vencimento. Sei que sucumbirão numa única temporada. Sobreviví a oitenta temporadas de imbecilidade coletiva. Superarei mais esta. Beijos e abraços para todos e todas. Até o próximo ano.
Derval Dasilio

Os Ombros Suportam o Mundo (Drummond)

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Os Ombros Suportam o Mundo (Drummond)

sozinho no bosque[2]

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUANDO EU FALO DE DEUS

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QUANDO EU FALO DE DEUS
Confrontado com a concepção da religião evangélica bolsonarista, que afirma Bolsonaro como “ungido do Senhor”, leio Karl Barth, enquanto acompanho L.Boff, que por sua vez segue Teillard Chardin. Barth dizia: “Quando eu falo de Deus é sempre um homem que está falando…”. Porém, um homem que procura a justiça. “O justo viverá pela fé”, citando o profeta Habacuc. Compreendo, eu mesmo, que para falar de Deus preciso estar alicerçado em coisas concretas, como a justiça. A terra e o chão em que piso, as leis da Física, da Astrofísica, a Matemática Quântica, a Semiologia — estudo histórico-social da linguagem -–, a história complexa das civilizações e das culturas. Então, pergunto como Deus aparece emergindo da evolução do conhecimento humano. A compreensão e crescimento cognitivo das formas do amor, da compaixão, da ternura, da misericórdia, do cuidado, da justiça e da solidariedade.
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Sejamos sensatos, antes do “big bang”, 13,7 bilhões de anos atrás, segundo a principal teoria vigente, do qual se originou o universo físico que conhecemos, nada existia. Compreensão comum, portanto. Imperava o Incognoscível, portanto, o Mistério. Que nome daremos ao Mistério? Pode-se dizer que não era o Nada, e sim que antes das palavras, do Logos, do conhecimento; antes das energias que sustentam planetas e estrelas; antes da matéria, do próprio espaço e do tempo, existia o Mistério. O Mistério, pra mim, abriga o reconhecimento da existência de Deus. Ora vejam, o Mistério também abriga o aparecimento das religiões, e com elas o Cristianismo. Estas, usam um nome: Deus. E, aí, não há Palavras. Como Mendelssohn escreveu suas maravilhosas “Canções sem Palavras”, escreveríamos sobre o silêncio. Diante de Deus, mais vale silenciar e contemplar o Mistério. Porém, um coração sensível percebe uma Presença que enche o universo com sentimentos de grandeza, de majestade, de respeito, de veneração, além de tudo que se deve reverenciar. Deus é a primeira explosão da razão para compreender-se aquilo que deu origem ao conhecimento, à consciência da própria existência do Universo, dos seres, e de suas finalidades; de tudo que existe e dá sentido à existência. Deus é uma grandeza maior que todas as grandezas percebidas pela razão sensível; majestade acima de todas as realezas; respeito acima de tudo que é respeitável diante do conhecimento.
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Colocados entre o céu e a terra, diante das miríades de estrelas, constelações, galáxias, suspiramos… retemos a respiração, e depois respiramos fundo cheios de reverência. Estamos prontos para as perguntas. Quem fez tudo isso? Quem pode ser vislumbrado lá bem atrás do universo sideral? Espontaneamente, crentes, admitimos uma inteligência suprema, uma realidade última inconcebível pela razão, expressas numa palavra: DEUS. Foi ele que colocou tudo em marcha, e é a Fonte Originária de tudo que existe, de todos os seres. E do que alimenta e sustenta tudo que existe. Deus é sustentador da nossa própria existência. Somos homens e mulheres sustentados e protegidos do Abismo. A mão estendida que nos socorre à beira dos despenhadeiros frequentes que contestam nossa própria existência.
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Mas, Deus não está fora do processo imensurável da evolução da consciência, desde 13,7 bilhões de anos atrás. Deus pervade, percorre, permanece, em todo processo da vida. E além do mesmo. “Nada nos separará do amor de Deus”, diz a Escritura (Rom.8…). Nem as forças incontroláveis da natureza, epidemias, terremotos, furacões, tempestades, dilúvios… Nada nos afastará de Deus. Ele emergiu, revelou-se em nossa consciência, porque antes do conhecimento Ele já existia; antes da existência Ele já existia. Somos instados a dizer: Deus pertence primeiramente ao Universo, irrompeu em seguida na galáxia onde se encontra o nosso planeta, configurado em nosso sistema solar. Deus faz-se Consciência presente nas manifestações de amor, de justiça, de dignidade humana e do mundo criado.
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Deus faz-se louvado, venerado, conscientizado pelo ser humano, homem e mulher. Somos a porção da terra que sente, reflete; que ama em todas as manifestações do amor (compaixão, misericórdia, justiça, cuidado e solidariedade, por causa de Deus). O Universo tem um coreto no meio do parque! Teatro da Gloria de Deus. E nós? Nós somos aqueles que param para ver a música tocada no coreto… depois, saímos para passear nos jardins com nossas crianças, percorremos os bosques nas trilhas verdejantes, cheias de vida, cheirando o húmus da terra, absorvendo os perfumes exalados pelas flores ao redor, enquanto ouvimos o canto dos pássaros que ali habitam. Aproveitamos os balanços e as gangorras, a roda-gigante, e saímos ao anoitecer. Repousamos, e na madrugada já podemos ver a luz rompendo e afastando a neblina, para se iniciar um novo dia. Louvando, reverenciando o Mistério de Deus. Todos os dias, moradores da terra, celebramos a esperança de um Mundo Novo Possível. Construindo, se necessário, altares à beira do Abismo (Rubem Alves).
[*]Por Derval Dasilio
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JESUS, O PASTOR QUE NOS RESGATA DO ABISMO
Quem nos resgata nos despenhadeiros em que nos metemos? Quem buscará o ser perdido nos profundos abismos, ou nas vias erráticas na vida; quem procurará incansavelmente aquele que não pode retornar sozinho, com suas forças, pelo caminho da salvação? Dietrich Bonhoeffer, mártir do cristianismo sob o nazismo, ajudando-nos a entender as implicações da espiritualidade cristã a respeito do perdão e do resgate de quem se desvia nos caminhos da vida, diferencia-as da psicologia terapêutica. Diz o mártir da fé incondicional: “a psicologia conhece a miséria, a fraqueza e o fracasso das pessoas… mas não conhece a impiedade humana”! Duras palavras dirigidas à psicanálise. Porque a mesma informa: “o resgate está na pessoa capaz de perdoar-se a si mesma”. Não é bastante, e não é assim o evangelho de Jesus. Em parábolas, ele descreve a alegria do pastor que achou a ovelha perdida, desviada do caminho certo; a alegria da mulher que achou a “dracma” perdida, concluindo: “Digo-vos que assim haverá maior alegria no céu (isto é, em Deus) por um pecador resgatado, do que por noventa e nove justos que não necessitam de resgate” (Lc 15,7-10).

A existência humana também conhece a esperança da segurança plena e definitiva, quando consegue o apoio no fundamento último, Deus que nos aceita, que salva e nos resgata nos despenhadeiros em que nos metemos sem estabelecer condições; Deus que salva por amor, por misericórdia e compaixão, em gratuidade, na direção da salvação plena. A presença terrível do Mal ronda as ovelhas nos caminhos da vida. A luz da esperança, mostra que a sombra inquietante do Mal não conseguirá eclipsar completamente a salvação, que “é iniciativa de Deus, e não do homem” (Karl Barth).

O desafio é total, porque o Mal continuará criando esse vazio obscuro, conforme Andrés Queiruga, criando incertezas, apresentando soluções parciais, às vezes camufladas pela terceirização salvacionista humana; contaminando o sentido da vida, e pressionando no sentido da dúvida sobre a gratuidade total que vem de Deus. Sem dúvida, uma aposta de vida ou de morte sobre uma fé que não se submete à razão sobre si mesma, justificando o pecador disposto a aceitar a oferta de Deus.

Deus é transcendência cristalina. Ele quer a salvação dos esquecidos nos grotões da vida, presos nos abismos das escolhas erradas ou por imposição fatalista, determinista. Quer resgatar os incapacitados de concorrer, alcançando méritos, deixados para trás, excluídos, abandonados nos despenhadeiros das desigualdades, do racismo, da homofobia, das diferenças sexuais ignoradas e combatidas, das castas e dos guetos. E Jesus diz que eles pertencem a Deus, e o seu errar lhe causou preocupação, e ele vai buscá-lo, no mais fundo abismo existencial, com ternura e cuidado. O pastor alegra-se na volta do que errou o caminho seguro para voltar à casa; alegra-se por proteger os abandonados e esquecidos. Trata-se da alegria “soteriológica” de Deus, expressa em Jesus.

Porque Deus é assim, de misericórdia incompreensível, a tal ponto que o ato de perdoar e resgatar é sua maior alegria, por isso o encargo do redentor é arrancar o desviado das presas malígnas do erro; é trazer de volta para casa os perdidos no emaranhado ideológico do autoritarismo político, ideológico, fatalismo que envolve e seduz o homem. De novo temos Jesus, o representante de Deus, assumindo a missão de vivência do evangelho integral do Reino. Deus vai atrás dos tresmalhados, tomando a iniciativa, para salvar e reconduzir ao redil aquele que necessita de cuidado, de segurança, enquanto comunica que o perdão incondicional é parte essencial do evangelho de salvação e libertação, pronunciado por Jesus Cristo.

“Há um pastor que me protege.
Ele me leva aos lugares de grama verde
e sabe onde estão as fontes encachoeiradas de águas límpidas.
Uma brisa fresca refresca a minha alma.
Durante o dia ele me pega no colo e me conduz por trilhas amenas.
Mesmo quando tenho de passar pelo vale escuro como a morte
eu não tenho medo. A sua mão e o seu cajado me tranquilizam.
Enquanto os lobos uivam, ele me dá o que comer.
Passa óleo de copaíba perfumado na minha cabeça
para curar minhas feridas, e me dá água fresca para sarar o meu cansaço.
Com ele não terei medo, eternamente…” (Rubem Alves – Sl 23: paráfrase)

Derval Dasilio
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