AINDA HÁ FOLHAS VERDES  NO OUTONO

LIVRO PRIMEIRO                                                                                                                               

DA PRIMAVERA AO INVERNO

Quando as plantas florescem na Primavera, ali os homens escrevem os seus nomes. Mas quando as plantas florescem no Inverno, ali se escreve o nome do Grande Mistério…”                (Rubem Alves)
 
Valsa Brasileira
Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu
Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer
Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer

(Edu Lobo – Chico Buarque)

Assim, começamos essas leituras. Esta canção me impressiona há muito tempo. Me acompanha desde jovem, assim como me persegue a genialidade de Chico Buarque, o poeta, e a musicalidade impressionante de Edu Lobo. Não posso esconder, a poética musical sempre me interessou. Tanto a dos brasileiros, tendo como viga mestre Vinícius de Morais – nunca esquecendo Paulo César –Pinheiro, como a norte-americana através do jazz popular, Gershwin, Cole Porter, Rogers, Hammerstein. As músicas que ouvi, os filmes musicais que foram obrigatórios, vistos nos cinemas desde a adolescência, orientaram meus ouvidos, meus olhos, minha percepção da música preenchendo os sentidos para as escolhas futuras. Porém, o que li dos poetas da língua inglesa, da língua espanhola, acrescentaram o essencial nas influências complementares que resultaram neste livro.

A leitura prolongada de Gaston Bachelard, quando falava das forças criadoras da imaginação poética, determinou o meu interesse por descrever sentimentos do eu profundo, numa constante primavera, ignorando as demais estações, inclusive o outono, que define o título deste livro. Imagens do inconsciente profundo, aflorados no devaneio, a imaginação íntima, numa tentativa de encontrar sentidos na matéria adormecida, porém, oculta aos olhos que buscam uma realidade que, de fato, não existe. Poesia é pura abstração.  Penso que a poesia oferece a liberdade necessária para se externar o que está na alma do poeta. “Os poetas podem ver na escuridão”, lembrava Chico Buarque. Nesse caso, meditar sobre a beleza é a parte de uma individualidade profunda, que é o que mais me interessa. Numa citação de Bachelard, “os sonhos que brotam das entranhas são de fogo, de incêndios, de guerras, de fantasmas, de fugas, de fossas, de tudo que é triste”.

Os lagos, os rios, o voo dos pássaros, as festas da natureza, a primavera;  as desgraças, as enchentes, os naufrágios, apontam coisas que não ousamos nomear facilmente dentro da realidade temporal. Adoecemos por desconsiderar a existência desses elementos na alma humana. Cada paisagem é um sonho. Cada desventura é um pesadelo. Os sonhos querem ser externados na poesia. A vida no universo é poesia. O lirismo nos leva ao canto dos sentimentos humanos mais belos, mesmo quando envolvidos pelo sofrimento da alma. Há substâncias desmoronando continuamente para negar a inspiração poética, mas a poesia reconstrói cada muro derrubado no interior profundo de cada um de nós. É isso…

Inicio com um texto do mestre que me inspirou, para sempre:
A ÁRVORE QUE FLORESCE NO MEIO DO INVERNO
Rubem Alves

Os sinais eram inequívocos. Aquelas nuvens baixas, escuras… O vento que soprava desde a véspera, arrancando das árvores folhas amarelas e vermelhas. Não queriam partir… É, estava chegando o Inverno. Deveria nevar.                                                                      Viria então a tristeza, as árvores peladas, a vida recolhida para funduras mais quentes, os pássaros já ausentes, fugidos para outro clima, e aquele longo sono da natureza, bonito quando cai a primeira nevada, triste com o passar do tempo…                                                Resolvi passear, para dizer adeus às plantas que se preparavam para dormir e fui, assim, andando, encontrando-as silenciosas e conformadas frente ao inevitável, o Inverno que se aproximava. Qualquer queixa seria inútil.                                                                         E foi então que eu me espantei ao ver um arbusto estranho. Se fosse um ser humano certamente o internariam num hospício, pois lhe faltava o senso da realidade, não sabia reconhecer os sinais do tempo. Lá estava ele, ignorando tudo, cheio de botões, alguns deles já abrindo, como se a primavera estivesse chegando.

Não resisti, e me aproveitando de que não houvesse ninguém por perto, comecei a conversar com ele, e lhe perguntei se não percebia que o inverno estava chegando, que os seus botões seriam queimados pela neve naquela mesma tarde.                            Argumentei sobre a inutilidade daquilo tudo, um gesto tão fraco que não faria diferença alguma. Dentro em breve tudo estaria morto… E ele me falou, naquela linguagem que só as plantas entendem, que o inverno de fora não lhe importava, o seu era um ritmo diferente, o ritmo das estações que havia dentro. Se era Inverno do lado de fora, era Primavera lá dentro dele, e seus botões eram um testemunho da teimosia da vida que se compraz mesmo em fazer o gesto inútil. As razões para isto? Puro prazer.

Ah! Há tantas canções inúteis, fracas para entortar o cano das armas, para ressuscitar os mortos, para engravidar as virgens, mas não tem importância, elas continuam a ser cantadas pela alegria que contém… E há os gestos de amor, os nomes que se escrevem em troncos de árvores, preces silenciosas que ninguém escuta, corpos que se abraçam, árvores que se plantam para gerações futuras, lugares que ficam vazios, à espera do retorno, poemas inúteis que se escrevem para ouvidos que não podem mais ouvir — porque alguma coisa vai crescendo por dentro, um ritmo, uma esperança, um botão —, pela pura alegria, um gozo de amor. E me lembrei de um poster que tenho no meu escritório, palavras de Alberto Camus: “No meio do Inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.”                          Agradeci àquele arbusto silencioso o seu gesto poético. Ah! Sim, quando os pássaros fugiam amedrontados eles levavam no seu voo as marcas do Inverno que se aproximava.

Quando as árvores pintavam suas folhas de amarelo e vermelho, como se fossem ipês ou flamboaiãs, era o seu último grito, um protesto contra o adeus, aquilo que de mais bonito tinham escondido lá dentro, para que todos chorassem quando elas lhes fossem arrancadas. Sim, eles sabiam o que os aguardava. E os seus gestos tinham aquele ar de tristeza inútil ante o inevitável. Mas aquele arbusto teimoso vivia em um outro mundo, num outro tempo. E, a despeito do inverno, ele saudava uma primavera que haveria de chegar e que naquele momento só existia como um desejo louco.                                                                                              As outras plantas, eu as encontrei como nós, realistas e precavidas, inteligentes e cuidadosas. Já o arbusto tinha aquele ar de criança sonhadora, uma pitada de loucura em cada botão, um poema em cada flor.  As outras, se fossem gente, construiriam casas que as protegessem do frio. Já o meu arbusto faria liturgias que anunciam o retorno da vida. Porque liturgia é isso: florescer pela manhã mesmo se for nevar pela tarde.

E aí a alucinação teológica tomou conta da minha cabeça e me lembrei da canção do profeta Habacuque:
“Muito embora não haja flores na figueira, / e nem frutos se vejam nos ramos da videira; / nada se encontre nos galhos da oliveira / e nos campos não exista o que comer; / no aprisco não se vejam ovelhas / e nos currais não haja gado: / todavia eu me alegro…”.

Nos brotos do arbusto, as palavras do profeta: um gesto a despeito de tudo. Me lembrei então de uma velha tradição de Natal, ligada à árvore. As famílias levavam arbusto para dentro de suas casas. E ali, neve por todas as partes, eles as faziam florescer, regando-as com água aquecida. Para que não se esquecessem de que, em meio ao Inverno, a Primavera continuava escondida em alguma parte. Quando as plantas florescem na Primavera, ali os homens escrevem os seus nomes. Mas quando as plantas florescem no Inverno, ali se escreve o nome do Grande Mistério…”

Rubem Alves (15.o9.1933 — 19.07. 2014)
Correio Popular: 16.12.2012

À BEIRA DE ABISMOS OCEÂNICOS
Na beira do abismo olhei para baixo, e vi que precisava perguntar: o que existe mais na vida que impeça de soltar-me no vazio e despedaçar as esperanças — quando as rochas das seguranças   romperam e se fragmentaram em mil pedaços? Que estava acontecendo comigo, quando sufoquei a vida que amava, permitindo que os abutres dos púlpitos, e suas togas negras, e as hienas do poder total, tomassem conta de mim?
[1]
Por que me deixei ser invadido pelo fastio, pelo nojo, pela negligência para comigo mesmo, pela depressão, e por que me entreguei à fraqueza e à debilidade, faltando-me forças para lutar e vencer as opressões de cada dia? Por que me entreguei ao negrume, à fumaça que acobertava as debilidades que me ofuscavam, e que me venciam, retirando a esperança de claridade?
[2]
Agora, estou ao lado de quem me estende a mão e me oferece o braço para lutarmos juntos contra a ansiedade e construirmos uma fortaleza capaz de defender até as mais íntimas liberdades da consciência. “Vinda do oceano revolto, a multidão, chegou suave a mim como uma gota de orvalho. Sussurrando, eu te amo, antes que um dia eu morra, fiz uma longa viagem, para meramente te ver, te tocar. Pois eu não podia morrer até eu te ver uma vez. Pois eu temia poder depois te perder”, disse Walt Whitman.
–                                                                                                         CANTO [1]                                                                                            HOJE HÁ TANTO MEDO DO FUTURO…
Mas eu sou de ontem, e já vi que caímos umas dez vezes,
desde que nasci. E nos levantamos.                                                       Trago na memória e no corpo os sinais das quedas, das feridas,
Cicatrizes das tristezas, das ilusões, da fome, das imagens opacas da liberdade sonhada, e depois perdida, das flores esmagadas, dos jardins e pomares destruídos, das viagens interrompidas, da lua de prata que surgia atrás mata, e hoje não rima nem se levanta mais.
Em meu tempo, conheci as noites frias, sem manta nem cobertor.
Eu não queria perder a juventude, como não queria ver os que andavam morrendo pela vida,                                                      enquanto os homens da ciência aperfeiçoavam as armas, com a finalidade de mais matar, mais possuir, mais destruir os irmãos.
Em meu tempo ensinaram o desespero, a resiliência para eu me adaptar à tirania, ao conformismo
Para com o mundo de profunda e permanente opressão, desigualdade, abandono do fraco e do miserável.

[1]
Hoje vejo aumentadas as chances de morrer, a consciência que aceita o assassínio, o extermínio, o holocausto, em nome e em defesa de uma civilização suicida, ou dada à eutanásia, que não se culpa nem procura evitar o que a panfletagem do efêmero estabelece como natural;
É tempo do comício das multidões que desejam voltar à barbárie,
Tempo do falso e do provisório consolo do que nada muda senão piora;
Dos gracejos da misoginia que despreza ou persegue o diferente,
Do abraço e do sorriso sarcástico que fala em limpeza racial, ou da exclusão do pobre.
[2]
Hoje eu sei que milhões de estrelas que ainda piscam no céu já morreram há milhões de anos, e que o Sol será derrotado pela escuridão mais dia menos dia…
Depois desse momento, no qual queima a minha pele e me faz sonhar com os oásis de palmeiras, sombras e límpidas águas para aplacar a sede dos animais que caminham neste deserto.
Sei também que estamos sós na grande luta pela liberdade; que somos poucos.
Sei que o quadro de cinismo e pessimismo toma os homens neste momento,
Favorecendo intolerantes, ao mesmo tempo promovendo a ascensão de oportunistas que assumem e se apoderam dos cérebros ocos.
[3]
Sabemos que, embora poucos, não poderemos retirar-nos do lugar onde se tomam as decisões mais importantes para o futuro,
Sabemos que, se não há pelo menos um mínimo de homens e mulheres pensantes, que não jogam com as mesmas regras dos usurpadores, torna-se impossível a mediação para livrar as novas gerações do jogo contaminado pela moralidade inferior.
[4]
Sabemos que ali, na profundidade que ninguém consegue chegar,
está a raiz da raiz, o broto do botão, o céu do céu, a árvore da vida, onde tudo floresce, acima do que a alma pode esperar, ou do que o pensamento pode alcançar,
E isto é a maravilha que se pode buscar além das estrelas, como Walt Whitman já nos ensinara.
Se as estrelas estão mortas; se os animais não veem,
Não estamos sós com o dia que nos coube, embora o tempo seja curto,
E a História repita as narrativas das derrotas provisórias.              Pode dizer um ai, mas não aceitando a absolvição dos tiranos que sugam o sangue do povo, e não aceitar que podemos derrubá-los do trono. Porque as decisões são nossas.
O futuro não está tão longe assim… está ao alcance, próximo dos que não se entregam.
Talvez tu não tenhas andado tão longe assim da verdade, do possível. Meu amor.
Vistes para onde nos querem conduzir, estejas disposta a rever o mapa e o roteiro que te deram. Se queres vir comigo, vem…              E, talvez o meu caminho seja triste…                                                   Mas, amaremos juntos a poesia de Vinícius: “tens de ser amiga e companheira, no infinito de nós dois”.

CANTO [2]
APARÊNCIAS DE UM MUNDO ESCURO
Há uma cidade subterrânea,
Tudo isso debaixo dos nossos pés.
Isso convida a ampliarmos nossos olhares,
Porque pensamos que isso se dá somente
Como seres humanos, erradamente…
Tu precisas saber, como aprendi,
Que, quando tu cortas uma árvores,
Ou não te importa com predadores
Que devastam e queimam florestas,
Tu estás transformando o ritmo desse emaranhado
De redes e teias de vida e energia.
Precisamos aprender que somos habitados por esses mundos.
Mundos no chão das matas que estão sob nossos pés,
E que estão ao nosso lado, e que ampliam “a cadeia do nós”…
“Nós somos da terra, e da terra vivemos”…
A terra é boa, generosa, como são boas as estrelas,
E seus suplementos, o que a terra produz é bom.
Não sou como a terra, nem como seus suplementos.
Sou teu parceiro, amigo, amiga.
Todos somos mortais e impenetráveis ao mesmo tempo.
Cada um de nós tem pleno direito de existir…

OBSERVEMOS A CLARIDADE DO DIA NASCENDO
Ah!, fomos meninos e meninas…
Todos conhecemos na carne a dor do desprezo.
Todos tivemos mães e mães de nossas mães.
Mas, nossas mães tinham lábios que sorriam,
E olhos que deitaram lágrimas. Aprendamos!
Tiremos as máscaras, deixemos que os outros vejam
Que debaixo da roupa escura que vestimos,
casimira ou lã, tem um ser de desejo, pronto para o amor.
Saiba, estou perto, estou na área, insistente, tenaz, ávido, incansável,
Pronto para receber e devolver abraços amigos e carinhosos,
Ninguém vai livrar-se de mim, gosto de abraços e beijos ternos.
Os portões da vida estão abertos, escancarados.
Vem comigo. Experimentemos a grama molhada depois da chuva,
Pés molhados na relva, caminhando sem receio algum.
Observemos a claridade do dia nascendo,
A luz brincando no ar, o resto daquela canção adorável da infância,
Que pensávamos perdida nas sombras do tempo.
E matizes, verdes e marrons acima das raízes embutidas na terra.
Tu te sentirás como o caçador que procura a si mesmo
Na floresta, nas matas fechadas, nos caminhos das montanhas…
Zanzando, surpreendendo-se com sua própria leveza e felicidade.
Cairás de sono sobre um monte de folhas,
E as cobrirás com um manto, para dormires em paz.
A paz que queres ter para o resto de tua vida.
CAMINHOS NUM EMARANHADO INFINDÁVEL
Encontro-me cercado por ruas e avenidas de teias e filamentos,
Embora prefira os jardins, os bosques em flor,
A água cristalina que brotam no meio das pedras.
Sei que são fungos que criam avenidas e ruas, teias, debaixo da terra.
Agindo ao redor das raízes das árvores,
Formando estruturas conjuntas de fungos e teias,
As teias se conectam através de filamentos fúndicos,
Juntando tudo num emaranhado infindável na floresta debaixo do chão.
Já disseram: fungos e cogumelos não têm rosto, mas têm vida,
Tudo está bem vivo, cada um no seu lugar,
Ou algum lugar.
Têm uma energia vital, uma liberdade,
uma criatividade espantosa,
Uma cidade que surpreende qualquer observador.
O que um dia existiu se repete, tocando a vida,
Não aceitando interrupções…                                                  ninguém pode interrompê-la.
É assim, desde que a vida apareceu.
Tudo segue sem parar, nada pode fazê-la entrar em colapso.
Cruzo a vida como um recém-nascido…
Não estou espremido entre meu chapéu e as sandálias,
Com os quais percorro a vida debaixo do sol ou da chuva.
Observo inúmeros objetos… que coisa estranha…
Não há um que se pareça com o outro.
E me encontro também contigo, tua face, tua presença,
E te vejo única, percorrendo a vida enquanto emanas poesia.
Vida, energia vital, liberdades soltas para que tua prole
Conheça os sonhos, os devaneios que constroem o mundo ao redor

EU PRECISO…
Preciso abraçar seu corpo,
e sair pelas estradas depois da chuva,
voar entre montanhas,
de mãos dadas com você.
Ganhar o espaço, descer escorregando
nas cachoeiras, ver o arco-íris outra vez.
Preciso livrar-me, de uma vez por todas,
das nuvens negras, e da fumaça de óleo queimado,
ver limpidamente uma estrela no céu sem poluição,
e poder perguntar sobre quem pintou o arco-íris
entre as nuvens.
Preciso ver o mundo sem portas de vidro,
sair e caminhar livre e solto,
empurrado pela brisa suave, ouvindo música.
Preciso seguir uma trilha que me leve
aonde esconderam a verdade,
e libertá-la,
andando na floresta, ou perdido nas ruas da cidade.
Preciso me banhar de novo na água limpa
dos córregos da minha infância.
Preciso beber água da cascata,
fazer copos com folha de taioba,
e beber água limpa da fonte que brota no meio do bosque,         comer fruta-pão assado na brasa.
Preciso ver de novo gotas de orvalho em cristais
na folha larga e verde da bananeira.
Caminhar pelas encostas das colinas no lugar onde nasci,
sentir-me nas asas do vento,
colhendo morangos silvestres na beira do caminho.
Preciso ver de novo avenidas
cobertas de árvores e flores,
nas ruas e praças hoje invadidas por metais cromados,
e gente portando celulares, ruidosos,
nas calçadas e no trânsito,
falando consigo mesmas, surtadas,
como loucos e delirantes esquizofrênicos.
Preciso imaginar novamente, na face da lua,
o cavaleiro imponente destruindo o dragão da maldade,
e ver o sol levantar por trás das colinas.
Preciso de um refúgio, que faça sentir-me seguro,
como me sentiria nos braços da mulher amada…

POEMA DO AZUL
Muita saudade dos tons azuis,
não só do céu azul celeste,
mas dos reflexos nos teus olhos, amada.
Azul é memória das aguas azuis
descendo nas serras do lugar onde nasci.
Outrora, foi um vale silencioso no pé da montanha.
Depois, um lugar onde ninguém morava mais…
Das paisagens alegres,
a serra foi substituída
por caminhões transportando o granito
retirado de suas entranhas.
Minhas memórias por demais suaves,
dos córregos de águas azuis,
correndo por entre as pedras,
hoje parecem artificiais,
diante da realidade bruta da natureza
que não respira mais o ar azul das colinas e árvores
que me viram nascer.
[1]
Uma vez pensei: não tenho medo do tempo
O tempo é que deve ter medo de mim
Porque toda vez que dele me aproximo
Ele foge como a areia que escorre entre meus dedos
Quando minha mão que se abre sem querer abrir
O tempo é também uma viagem numa estrada sinuosa
Que jamais tem fim
O TEMPO É UMA ADVERTÊNCIA…
Na velhice, o tempo me adverte sobre as últimas escolhas que devo fazer.
Imaginemos que o tempo possa fazer a lua murchar,
e que é preciso socorrer o luar,
como dizia Tom Jobim, na canção:
É preciso gritar e correr, socorrer o luar.
“Abre a porta pra noite passar,
Olha o sol da manhã.
Olha a chuva,
Olha o sol,
Olha o dia a lançar serpentinas.
Serpentinas pelo céu, sete fitas coloridas.
Sete vias, sete vidas,
Avenidas pra qualquer lugar”.

O TEMPO LAVA O CÉU DAS NÚVENS NEGRAS
O tempo não impede a chuva de molhar a terra,
de encher o rio.
De lavar o céu cheio de nuvens negras,
e trazer de volta o azul dos dias de sol.
O riachinho de água limpa
não pode ser impedido de se lançar às águas calmas do rio.
O jasmineiro continuará a florir de branco as tardes,
mesmo aquelas tardes de Gardel,
tardes gris, onde gotas úmidas banham flores perfumadas.
As roseiras nem sabem que sua fragrância
será exaltada pelos poetas,
e continuarão a presentear olfatos,
mesmo os contaminados pela poluição das cidades sem jardim.
O tempo não impede amores puros,
nem é dono dos pensamentos dos amantes.
Nem impede os passarinhos de passear na calçada molhada,
ou saltitarem nos jardins impregnados de primavera.

LAMPEJOS DE ETERNIDADE
O sol brilhando e fazendo o céu mais azul,
as rochas refletindo os raios de sol com seus cristais,
a areia fofa da praia onde enterro meus pés,
revelam-me lampejos de eternidade.
O sol, o céu, o brilho dos cristais, não dependem do tempo.
Duram dentro da eternidade.
Sempre estiveram e sempre estarão ali,
como contraponto à finitude humana.
E só podemos sentir gratidão
por sermos humanos e podermos contemplar essas realidades
enquanto estamos participando das mesmas,
observando algo que está fora do tempo.
Tudo isso nos oferece a sensação da eternidade.
A permanência das coisas belas
estimula a vontade de contemplar ainda mais o que nos é dado ver,
sentir e gozar, enquanto nos aproximamos ainda mais do infinito.

A VELHICE ME FAZ SENTIR A INFINITUDE DAS COISAS
Mas o tempo alerta para as escolhas que devo fazer,
em minha velhice.
Uma delas é não acreditar no tempo,
mas usá-lo com prazer.
Desse modo não penso na finitude, nem em escatologias.
Assim, posso sentir a infinitude das coisas.
Contemplar a eternidade das coisas belas
é um caminho bom para ser feliz,
e para antecipar a plenitude da vida.

PÁSSAROS CONSTRUINDO NINHOS
Comparo a sensação de vácuo do tempo
ao prazer indescritível de estar no meio
de num bosque, entre árvores que brotaram,
tantas vezes, mais de um século atrás.
Cheirar o húmus por toda parte,
ver orquídeas selvagens enlaçando os troncos
onde se hospedou um dia uma semente
trazida por uma ave qualquer.
Ver e ouvir os pássaros que ali construíram seus ninhos,
e depositaram ovos que fizeram eclodir novos pássaros
sem interferência do tempo.
E ouvir seus sons diferentes,
do nascer do sol ao entardecer.
Assim, posso contemplar o infinito,
e concordar com Emmanuel Lévinas:
é de Deus que vem a ideia do infinito e da eternidade.

NÃO ACREDITO NO TEMPO                                                               Tudo parece impossível, se não difícil de explicar,
quando se trata de falar do tempo.
Como explicar o êxtase, especialmente se for daqueles incomparáveis?
Uma felicidade estética é inexplicável, o jeito é senti-la.
O mesmo se dá com o tempo.
Sentir o tempo é reconhecer a vida num cotidiano de simplicidade.
Sem preocupações com o óbvio,
posso descrever essa felicidade, quando muito,
como sensação de estar ligado a outras existências
alcançadas pela contemplação,
pela curiosidade, pela ternura e a doçura de visões maravilhosas.
Observar as cores de borboletas esvoaçantes,
seus movimentos no meio das árvores,
buscando o néctar que nunca se esgota, porque é infinito,
permite-me gozar com o tempo que me é dado.

Lévinas disse que procuramos alhures a transcendência do infinito,
quando de fato o infinito está no rosto do próximo,
o ser-humano, o rosto de outro homem,                                           ou de outra mulher.
O teu rosto, amigo, amiga, com os quais já devíamos ter assumido
as responsabilidades cabíveis quanto às nossas vidas entrelaçadas.
E às nossas próprias vidas.

PRÓXIMOS DE DEUS VENDO O ROSTO DO PRÓXIMO
“Estar próximo de Deus e das plenitudes, vendo o rosto do próximo,
significa dar sentido à duração do tempo, que talvez nem mesmo exista.
Dar sentido à paciência de viver e sorver o tempo como a um vinho velho,
em repouso por muitos anos para ficar melhor” (já disse, um dia).    Suponhamos que para penetrar no mistério do tempo
tivéssemos que esperar a brecha numa muralha,
ou galgar os muros de uma fortaleza,
subir até a torre de onde se podem ver pradarias,
bosques, colinas, córregos, flores do campo.
Perguntaríamos sobre a brisa que sopra sobre os lagos,
as serras, para depois sumir no mar.
O tempo não passa de uma imaginação,
como as perdas das coisas que queremos encontrar
na noite das memórias, sabendo que não é mais possível
uma busca do que nem existe mais.
Amores perdidos para os quais nem mesmo adianta deixar a porta aberta.
Nenhum deles entrará por ela,
porque só a imaginação retira das sombras                                                 o que foi antes uma grande paixão.
Um grande amor.

LAMPEJOS DA ETERNIDADE                                                            O sol brilhando e fazendo o céu mais azul,
as rochas refletindo os raios de sol com seus cristais,
a areia fofa onde enterro meus pés,
revelam-me lampejos de eternidade.
O sol, o céu, o brilho dos cristais, não dependem do tempo.
Duram dentro da eternidade.
Sempre estiveram e sempre estarão ali,
como contraponto à finitude humana.
E só podemos sentir gratidão por sermos humanos
e poder  contemplar essas realidades
enquanto estamos participando das mesmas,
observando algo que está fora do tempo.
Tudo isso nos oferece a sensação da eternidade, meu amigo.
A permanência das coisas belas estimula a vontade
de contemplar ainda mais o que nos é dado ver,
sentir e gozar, enquanto nos aproximamos ainda mais do infinito.

ANTES QUE O DIA AMANHEÇA
Ouve, meu amor. Que silêncio!…
Até os pássaros da noite se calaram
para ouvir os nossos gemidos, nossos ais e suspiros,
quando nos amamos.
Fecha os olhos. A noite não acabou.
Estamos tristes, depois da noite de paixão.
Por fim, ouviremos uma melodia de Eric Satie,
depois da ternura, das carícias e dos gozos repetidos.
Ouviremos o piano como o autor sugeriu,
“dolorosamente” (douloureux),
“tristemente” (mélancoliquement),
ou “solenemente” (gravement),                                                    como deve ser o amor.
Os amantes precisam amar com intensidade,
embora entrecortados pela melancolia,
porque terão que separar-se depois da noite de paixão.
Reina um solene silêncio,
convite para contemplar o céu infinito na hora do adeus.
Porém, não há paz, se somos obrigados a dizer adeus.
Nosso amor é tão triste!
Mas, vem comigo, meu amor!
Vem olhar a madrugada, antes do sol nascer.
Uma luz suave nos guiará na noite que termina.
Não estaremos sozinhos,
caminhando no sereno da madrugada.
As estrelas e a lua no quarto minguante
iluminarão os nossos passos…
os nossos caminhos.
E nos abraçaremos para os últimos beijos,
os derradeiros carinhos,
e lembraremos juntos o poeta Vinícius:
“Vem raiando a madrugada, há música no ar”.
A noite termina, e o dia está nascendo.
Meu amor, vem comigo…

LIVRO SEGUNDO                                                     REDEMOINHOS E PROFUNDIDADES
——
O DESTINO DO HOMEM
Queria aprofundar meus sonhos,
tenho que buscá-los nas raízes,
e nas profundidades, aquelas da árvore do destino.
Vejo que o problema permanece aberto,
por não saber onde está a chave do enigma,
que é o destino do homem e da mulher.
Ainda não sei onde e como escavar,
para encontrar minhas verdadeiras raízes.
Mas, lado a lado com o homem real, sei,
posso me sentir mais ou menos forte
para endireitar a linha do meu destino,
apesar dos choques, dos conflitos, das perplexidades,
das perturbações e complexidades
existentes em cada homem.
Em cada um o destino,                                                                      em cada outro um sonho para realizar.

O DESTINO É COMO UM RELÂMPAGO
O destino passa diante de nós como um relâmpago,
um raio de luz ilumina nossos sonhos no passado,
enquanto ganha corpo nos devaneios.
Sobre a liberdade, nem ouso conjecturar.
Mas não é também no sonho, na utopia,
que o homem se mostra mais fiel a si mesmo?
Se ele pensa na liberdade, na igualdade de direitos,
na democracia e no direito aos sonhos
que se estendem a todos.
Interrogo-me, se os pesadelos do homem
se alimentam dos atos dos outros homens,
aqueles que se dão na opressão, no medo,
no pavor da luta pelo poder.
Sempre haverá um bem para se sonhar ou meditar.
Algo que recebi desde a minha infância,
quando minha mãe me abraçava e beijava,
dizendo: meu filho, nunca se submeta…
nunca se entregue. Sonha.
Luta, luta sempre.
Sinto um grande alívio
quando recordo os dias da minha infância,
e ouço a doce voz de minha mãe.

RAÍZES DO MEDO, DO DESESPERO E DA SOLIDÃO
Hoje, sinto que regresso de uma longa viagem ao passado.
Mas, nessa caminhada adquiri uma certeza:
a infância do homem levanta os problemas de toda a sua vida.
Cabe à idade madura resolver o enigma de sua vida.
O meu enigma é não conceder um só pensamento
na direção da submissão da consciência.
Quero, porém, a liberdade,
para a compreensão dos obstáculos,
entender de onde vêm as opressões.
Encontrar a raiz do medo e o antídoto                                              para o veneno do desespero.
Sei que será preciso remover
as pedras colocadas no meu caminho,
uma a uma.
.
No fio da navalha, durante toda a minha vida,
caminhei, sempre procurando decifrar esse enigma.
Sem conceder-me um só pensamento de desânimo.
Hoje sei que tudo já tinha sido dito,
quando eu me pus em marcha.
Os reveses, as mágoas, as decepções,
as lágrimas, os risos e a alegria,
passaram por mim sem atingir nem fatigar-me.
Não posso parar de caminhar,
não posso abandonar as trilhas das montanhas mais altas,
eterno alpinista que pretendo ser,
para ser um ser humano.
Derval Dasilio

 

ELES BEBEM ÓDIO E VOMITAM VINGANÇA
Eles têm sangue nos olhos,
Eles elegeram o juiz que se veste de preto.
Eles o querem para julgar a sua causa.
Eles não querem a justiça, querem vingança.
Eles seguiram traiçoeiros políticos.
Eles, agora, seguem o mito fascista.
Eles querem a chibata, o cadafalso e a forca.
Eles querem esquartejados os corpos dos insurgentes.
Eles disseram “crucifiquem-no”, e Jesus foi levado à cruz.
Eles, porém, usam crucifixos e andam com a bíblia na mão.
Eles se dizem discípulos de Jesus, mas servem Satanás.
Eles vêm das tradições do fundamentalismo,
Eles se orientam pelo ódio e vomitam o medo,
Eles são intolerantes, aprovam a tortura e a desigualdade.
Eles amam a mentira e têm medo da verdade.
Eles dizem falsamente que devem obediência a Deus e à Santa Bíblia.
Eles não aceitam a paz ensinada por sábios profetas das Escrituras.
Eles exaltam o que chamam de vontade do povo.
Eles são obcecados pela conspiração, e não hesitam em trair.
Eles aprovam golpes na Carta Magna, e estimulam juízo e leis de exceção.
Eles querem obsessivamente o controle da sensualidade.
Eles querem impedir a liberdade de abraçar, beijar e amar.
Eles agem repressivamente para que a razão não se manifeste.
Eles se apoiam na acusação, e invertem o direito do inocente.
Eles usam o mesmo tema: a corrupção dos outros, escondendo a sua
Eles usam a linguagem repetitiva e subliminar do linchamento moral.
Eles representam a sociedade frustrada.
Eles se sentem preteridos.
Eles desconsideram o desvalido e o pobre,
Eles ignoram que Deus coloca o oprimido em primeiro lugar.
Eles refutam e combatem o mundo novo possível.
Eles desafiam a própria Bíblia, que fala de paz e justiça para a humanidade.
Eles contrariam os ditos de Cristo, sobre “um novo céu e uma nova terra”.
Derval Dasilio –
[|]
ESTIVE PERDIDO NOS ATALHOS DA VIDA
Um dia busquei penetrar no que jamais foi revelado,
fui às profundidades, resvalei pelas sombras
para fugir do fogo das palavras que queimam,
percorri atalhos para escapar dos caminhos perigosos,
virei ateu num mundo de deuses,
divindades que impõem desespero e agonia,
sem esperança.
Interpretei metáforas impossíveis
buscando a simplicidade na compreensão do Grande Mistério.
Procurei entender os que afirmam que Deus é uma realidade para além de toda e qualquer representação da realidade.
Não consegui, pois toda descrição da divindade,
como de quaisquer outras,
exige o método e o uso da razão instrumental.
E a razão nada sabe de Deus.
*
Não sei como chegar à interioridade íntima
de um pensador como Meister Eckhart,
e partir para as profundidades mistéricas de Deus,
e do mundo interior dos que creem sem fazer perguntas.
Afinal, o que é a serenidade contemplativa senão a reverência pelo que não se pode explicar?
Paulo, apóstolo de Jesus, disse: “Deus é tudo em todos”.
Jamais diria que Deus é “ab-surdo”,
um ser que não é “nada”.
Despojado de tudo, radicalmente, sim. Ele é…
Posso dizer, então:
entendo porque Deus não quer ser “deus” de quem queira possuí-lo,
dizendo amá-lo, mas queira tão somente manipulá-lo.
Deus é simples e pobre.
Pobre como o mais pobre dos homens.

BUSCANDO A FÉ NAS PROFUNDEZAS OCULTAS DO SER
Para entendê-lo assim, pobre,
precisamos ser também interiormente pobres,
despojados, desapegados,
sem pedir-lhe favores.
É preciso nada querer, nada saber,
nada ter, diria Faustino Teixeira, estudando Eckhart.
Assim, estaremos próximos da serenidade.
Tranquilidade e simplicidade necessárias
para a contemplação do Mistério,
enquanto esperamos a luz.
Luz que há de vir na iluminação das profundezas ocultas da fé,
e confiança na obra que resgata e salva o homem,
o ser perdido em despenhadeiros labirínticos,
sem mapas e sem orientação.

FUGINDO DA TRISTEZA E DO HORROR
Meu amigo, minha amiga,
vocês dizem que não creem em Deus,
afirmando toda confiança no Homem.
Devo confiar no homem que diz confiar no homem?
Eu não confio nem em mim…
Porque é de Deus, tão somente, que emana o amor,
a compaixão, o cuidado que o homem nega ao seu semelhante.
Sem Deus, é tudo sofrimento, angústia, temor, desespero,
É nele que encontramos tudo,                                                                  a solidariedade e a partilha que resgata e humaniza,
depois de procurarmos em vão as rotas
que nos livrassem do caminho desviante,
da tristeza, do medo, do terror,
do desespero e da solidão.
Resistimos, porque cremos em Deus,
e não no homem.
*
Compreendemos que o mundo seria aterrorizador,
sem Deus.
O mundo precisa de Deus, no entanto.
Sua ausência no coração do homem desumaniza-o,
empurra-o para os abismos.
Sua ausência entrega-o ao desamor, ao desprezo,
ao abandono, à exclusão e intolerância,
à impiedade e ao sofrimento imposto às criaturas vivas.
É por isso que cremos, e esperamos mais serenidade
para entender os mistérios onde Deus se esconde.
Porém, Ele se revela para salvar e resgatar o mundo.
Você, meu amigo, minha amiga, precisa saber
que precisamos ser salvos de nós mesmos…

CERTO COMO ESTRELAS FLUTUANDO NO ESPAÇO
É certo, contudo, que o sol
e as estrelas flutuam no espaço sideral.
A terra tem a forma de laranja,
dizem os professores aos meninos e meninas,
logo que aprendem a ler.
Há certeza sobre as trajetórias dos satélites soltos,
milhares, milhões de metros acima, no ar frio e distante próximos da lua.
Tudo é grandioso, e não sei dizer quase nada sobre isso.
Fala-se dessas coisas com uma espécie de felicidade,
como se fora uma conquista da humanidade,
e que o motivo da gente estar aqui
não é uma especulação sobre o destino humano,
mas uma realidade insofismável.
Nem é uma frase de efeito da propaganda oficial,
vinda do gabinete do governante,
contando mentiras sobre feitos imaginários.
Como se fossem realizações do seu governo.
Ou um reconhecimento de que o motivo da gente estar aqui,
ainda vivos e de pé, se deve tão somente à sorte…
Sorte das cartas marcadas, dos das ou da roleta viciadas.

OS QUE LUTAM POR CADA CENTÍMETRO DE CHÃO
Prazeres são para os abastados,
tristezas são para os que mendigam
um pouco da felicidade que não têm.
São esperados os milagres da prosperidade
sem suor ou labor.
E os prazeres,
que recheiam cada minuto do tempo de uns,
equivalem às desditas
dos que lutam por cada centímetro no chão,
para poderem manter-se de pé,
como pugilistas de peso desigual no tablado,
rosto sangrando, costelas quebradas de porrada,
em cada área que ocupam na superfície,
e no espaço deste planeta.
A rotina diária da oficina, da fábrica.
A bigorna, as pinças, o martelo, o machado, a cunha,
o esquadro, a esquadria, o sargento, a plaina,
a chave de fenda, a chave de boca.
O jardim, o escritório, a loja,
a mesa e as ferramentas de trabalho,
indicam o ofício do trabalhador operário.
O arado, a pá, a picareta, o rastelo e a enxada,
manufaturas, comércio,
engenharia, construção de canais,
construção de cidades, cada atividade,
Walt Whitman, meu poeta preferido,
disse que estas são as marcas do labor do homem comum.

ELES VENERAM DEUSES DO ÓDIO E DA IRA
Eles, os fundamentalistas,
fa1lam com naturalidade da proximidade
de uma hecatombe mundial.
Pensam em algo tão terrível que ninguém ousa referir-se,
à viva voz, ao desastre exterminador próximo da raça. …
A não ser murmurando com os dentes crispados,
como homens primitivos devorados por um deus da ira moderno,
tecnológico, que eles mesmos criaram.
Agora, implantam chips de ódio e raiva nos semelhantes…
Vocês não sabem que eles estão reduzindo a humanidade
ao estado de antropoides tirânicos,
dominados por um desejo de poder brutal e devastador?
Dotados de sentimentos que desencadeariam sucessivamente
instintos mais bestiais na multidão,
Eles estão prontos para exterminar todos os demais.
Estão dispostos a afirmar o seu poder
através das tecnologias da morte.
No lugar que almejam,
livros serviriam somente como combustível
para cozinhar a raiva e o ódio pelos párias,
sem-trabalho, sem-terra, sem-teto,
sem-escola e sem-saúde…

FICAM PROIBIDOS O AMOR E A COMPAIXÃO…
Racionalistas absolutos,                                                                      eles  ficam proibidos de servir os alimentos do amor,
da compaixão, da solidariedade..
Para fundamentalistas, a humanidade
não é mais que um enorme depósito de carvão,
destinada à combustão.
Uma civilização que pretende eternizar o ódio e a destruição.
Você, amigo, amiga, pode ler em muitas línguas,
mas não ouvirá ninguém falando desse assunto…
Ninguém fala disso, mas você pode ler a mensagem do ódio
até do presidente da república,
ou até do supremo tribunal,
dos juízes togados, que pensam estar participando
de um filme dos anos cinquenta, e você não verá
nada disso que eu estou falando aqui.
Não está no relatório do ministro da defesa fardado,
nem na agenda do homem que controla o tesouro nacional.
Não está no jornais da direita ou no muro das lamentações;
não está na televisão do bispo pentecostal,
nem naquela telinha alugada, onde o presidente aparece
dizendo que as instituições estão em plena normalidade,
quando manda o exército ocupar favelas                                                e exterminar negros inocentes;
enquanto juízes da mais alta corte o protegem.
Não está nas rádios,
nem está nos dados estatísticos.
Nem aparece nos boletins da bolsa de valores.

CERTO COMO ESTRELAS FLUTUANDO NO ESPAÇO
É certo, contudo, que o sol
e as estrelas flutuam no espaço sideral.
A terra tem a forma de laranja,
dizem os professores aos meninos e meninas,
logo que aprendem a ler.
Há certeza sobre as trajetórias dos satélites soltos,
milhares de metros acima, no ar frio e distante próximos da lua.
Tudo é grandioso, e não sei dizer quase nada sobre isso.
Fala-se dessas coisas com uma espécie de felicidade,
como se fora uma conquista da humanidade,
e que o motivo da gente estar aqui
não é uma especulação sobre o destino humano,
mas uma realidade insofismável.
Nem é uma frase de efeito do propagandista oficial,
vinda do gabinete do governador,
contando mentiras sobre feitos imaginários.
Como se fossem realizações do seu governo.
Ou um reconhecimento de que o motivo da gente estar aqui,
ainda vivos e de pé, se deve tão somente à sorte…
Sorte das cartas marcadas, ou dados e roletas viciados.

[1]
ELES VENERAM DEUSES DO ÓDIO E DA IRA
Eles, os fundamentalistas,
fa1lam com naturalidade da proximidade
de uma hecatombe mundial.
Pensam em algo tão terrível que ninguém ousa referir-se,
à viva voz, ao desastre exterminador próximo da raça …
A não ser murmurando com os dentes crispados,
como homens primitivos devorados por um deus da ira moderno,
tecnológico, que eles mesmos criaram.
Agora, implantam chips de ódio e raiva nos semelhantes…
Vocês não sabem que eles estão reduzindo a humanidade
ao estado de antropoides primitivos, tirânicos,
dominados por um desejo de poder brutal e devastador?
Dotados de sentimentos que desencadeariam sucessivamente
instintos mais bestiais na multidão,
Eles estão prontos para exterminar todos os demais.
Estão dispostos a afirmar o seu poder
através das tecnologias da morte.
No lugar que almejam,
livros serviriam somente como combustível
para cozinhar a raiva e o ódio pelos párias,
sem-trabalho, sem-terra, sem-teto,
sem-escola e sem-saúde…

À BEIRA DE ABISMOS OCEÂNICOS
Na beira do abismo olhei para baixo,
e vi que precisava perguntar:
o que existe mais na vida
que impeça de soltar-me no vazio
e despedaçar as esperanças —
quando as rochas das seguranças
se romperam e se fragmentaram em mil pedaços?
Que estava acontecendo comigo,
quando sufoquei a vida que amava,
permitindo que os abutres dos púlpitos,
e suas togas negras, e as hienas do poder total,
tomassem conta de mim?
*
Por que me deixei ser invadido pelo fastio,
pelo nojo, pela negligência para comigo mesmo,
pela depressão, e por que me entreguei à fraqueza
e à debilidade, faltando-me forças para lutar
e vencer as opressões de cada dia?
Por que me entreguei ao negrume,
à fumaça que acobertava as debilidades
que me ofuscavam, e que me venciam,
retirando a esperança de claridade?

DÚVIDAS EMERGEM DO OCEANO REVOLTO
Agora, estou ao lado de quem me estende a mão e me oferece o braço| para lutarmos juntos contra a ansiedade | e construirmos uma fortaleza capaz de defender até as mais íntimas liberdades da consciência.
|“Vinda do oceano revolto, a multidão,
|chegou suave a mim como uma gota de orvalho.
|Sussurrando, eu te amo,
| antes que um dia eu morra,
|fiz uma longa viagem, para meramente te ver,
| te tocar.
|Pois eu não podia morrer até eu te ver uma vez.
| Pois eu temia poder depois te perder”,

disse Walt Whitman.
*
Quando éramos cercados por fanáticos fundamentalistas,
que nos queriam impedir de circular na esfera das misericórdias
e da compaixão, encastelados em supostas certezas
— quando deveriam apontar a dúvida –,
julgando-se acima das dúvidas.
Quando não imaginávamos que a dúvida é adequada,
acima de tudo, porque a dúvida pergunta sobre a significação da justiça e da liberdade,
quando as mesmas foram substituídas pela opressão
dita como proteção e segurança.

JUNTOS, QUANDO ANDÁVAMOS PELO VALE ESCURO
Estávamos juntos, quando mergulhados no sofrimento
da culpa a nós atribuída sem sentido;
quando estávamos presos ao desassossego
ou desespero;
quando andávamos pelo vale escuro
de uma vida vazia e carente de sentido;
quando sentíamos a separação
e distanciamento da realidade por alienação convicta;
quando nossa inconsciência era mais profunda
do que deveria ser,
erro que atribuía aos inocentes ao nosso redor;
quando sacrificávamos formas de viver a alegria e a beleza,
as riquezas íntimas das escolhas livres.
*
Agora estamos juntos quando duvidamos…
Quando duvidamos da sanidade
daqueles para quem a opressão deve tornar-se a finalidade do poder, contra o sentido mais universal e radical da justiça e da liberdade. Contra com a alma inteira,
entregando-nos com todo coração às imagens luminosas,
belas, do universo lindo em sua liberdade original.

CONHEÇO OS ABISMOS E SAÚDO O OCEANO E A TERRA
Walt Whitman faz-se acompanhar, numa ode à liberdade e justiça:
“Retorne em paz ao oceano, meu amor;
Sou também parte deste oceano, meu amor – nós não estamos tão separados;
Contemple a grande curvatura – a coesão de tudo, como é perfeita!
Mas, quanto a mim, a você, o irresistível mar irá nos separar,
A hora nos carrega, distintos – mas não pode nos carregar assim para sempre;
Não seja impaciente – por um pequeno espaço –
Eu te conheço, eu saúdo o ar, o oceano e a terra,
Todo dia, no ocaso, por você, meu amor,
Eras e eras, retornando em intervalos,
Invulnerado, imortal errante”.

[-] A ORAÇÃO DOS ATORMENTADOS [-]
Somos condenados à aflição,
transtornos e inquietude permanentes,
porque insistimos em orar em favor de nós mesmos,
e nunca conseguimos satisfazer anseios mais profundos,
sem Deus.
Destinados a caminhar por toda a vida,
“porque a cada caminho percorrido
surge outro para percorrer” (Agostinho),
não podemos parar, nem nos abster,
porque um imperativo categórico pressiona,
não nos deixando em paz,
empurrando-nos sempre para a frente,
para uma odisseia que não vai acabar nunca.
Enquanto não há um ato libertador,
o Espírito é um vento bravo que não cessa,
na direção de uma “terra prometida” que parece nunca chegar.
Um ser humano é um arco retesado,
ou uma flecha apontando para estrelas inatingíveis,
disse alguém, com extrema sabedoria.
[+]
O desconhecido seduz,
por isso, como ser humano,
rompo barreiras,
e quero irromper em regiões ignotas.
Gosto de decifrar enigmas,
e de preencher espaços vazios,
sem saber por quê vivo assim.
Sei que vivo atormentado, na inquietude permanente,
nunca me acalmo, à espera.
Sei que forças incompreensíveis nos arrastam para o infinito,
enquanto buscamos o absoluto,
completo, acabado em definitivo.
Por isso, pensamos sobre nós mesmos,
e sobre as razões da existência humana,
sempre procurando respostas,
para as perguntas de um questionário que nunca chega ao fim.
É preciso orar, e descansar na espera de Deus.
Não posso duvidar. Se duvido, mergulho no desespero,
e me sujeito ao pior dos infernos, que é a desesperança.

A IDEIA DO PERDÃO
Há na ideia do perdão algo além do simplesmente humano.
O impossível age no processo de um perdão incondicional,
uma vez que o perdão que perdoa o imperdoável
é um perdão impossível.
Ele faz o impossível,
proporciona o impossível,
perdoa o que não é perdoável.

________________
LIVRO TERCEIRO
FORA DA BELEZA NÃO HÁ SALVAÇÃO

SE ME PERGUNTAREM, RESPONDEREI:
FORA DA BELEZA NÃO HÁ SALVAÇÃO
Mesmo que existam objeções à pergunta sobre Deus,
não há como negar uma espiritualidade profunda,
como na obra musical de Johannes Sebastian Bach,
onde se constata uma dimensão da existência
que extravasa uma inspiração de grande importância,
que remete a um mistério inigualável.
Inspiração procurando alcançar na beleza perfeita
aquilo que podemos chamar de Deus.
Rubem Alves disse, uma vez: “fora da Beleza não há salvação”,
contrariando o que fora dito anteriormente:
“fora da Igreja não há salvação” (Cypriano).

O extraordinário arquiteto Daniel Libeskind,
judeu, não religioso,
perguntado se existem cargas de espiritualidade,
onde Deus estaria implícito,
respondeu que considera óbvio, iniludível,
que é a compreensão da espiritualidade:
“a busca da Beleza, está nos
grandes nomes da arquitetura,
mesmo entre os considerados ‘hereges’,
como Gaudi e Le Corbusier.
Van Der Rohe era um ‘místico’ que mantinha
os textos de Tomás de Aquino, e Santo Agostinho,
obrigatoriamente, em sua cabeceira.
Todos eles trazem fortes elementos de espiritualidade.
Os monumentos grandiosos que construíram
comprovam que a liberdade da arte
e a espiritualidade orientam suas obras.
Elas são desprovidas da mediocridade,
quando repetida na cópia do já existente”,
afirmou.
[-]
SE ME PERGUNTAREM, RESPONDEREI:
DEUS É O MISTÉRIO DA BELEZA PERFEITA
A fé poderia ser um estímulo para a religião.
Refiro-me à fé na justiça e na liberdade.
Ter Deus no centro da história das religiões
não significa que as palavras certas
sobre a espiritualidade da existência
estejam em seu propósito.
Não se pode dizer que a religião representa a liberdade,
ou a busca do mistério da beleza perfeita.
Infelizmente, a aspiração religiosa, em muitos momentos,
parece ser a de colocar Deus como um álibi
para outros fins muito menos nobres
que a busca da liberdade e da beleza.
Mas, inegavelmente, por isso mesmo,
devemos à religião a liberdade de duvidar…
Duvidar que a religião representa o que diz representar,
em termos de convicções absolutas, inarredáveis,
Quem pode definir o Grande Mistério?
[-]
SE ME PERGUNTAREM, RESPONDEREI:
DEUS ESTÁ  ALÉM DO TRIVIAL E SUPERFICIAL
Os riscos terríveis para a fé e a liberdade,
se apresentam em demonstrações sucessivas
da beleza ética conspurcada, ferida pelo moralismo,
e pela hipocrisia.
O grande valor da religião,
no sentido da liberdade e da ética,
é substituído pela trivialidade e superficialidade
do materialismo religioso autoritário
contra a espiritualidade que a mesma representaria.
Comparemos uma obra de arte destacada
como valor espiritual permanente da beleza
— uma ária do oratório  Paixão,  de Bach,
por exemplo.
Comparemos a arte sacra grandiosa,
que perpassa a história da religião cristã,
com o balcão de negócios do “gospel business” artístico,
onde se vendem trastes e banalidades,                                 bugigangas ditas como louvor abençoado,
justificando atos que podem ser qualquer outra coisa,
menos atos de beleza estética de fé.
Aí se encontrará um perigo de destruição da fé.

SE ME PERGUNTAREM, RESPONDEREI:
BUSCAREI DEUS NO CONFLITO E NO SOFRIMENTO
No sentido profundo proposto, a busca da beleza ética
é também a busca de Deus.
A espiritualidade no conflito,
no confronto com a injustiça,
é inevitável a luta contra a violência e o sofrimento.
Porque a fé em Deus é afirmada em seu sentido libertário,
se foram destronados o prazer e a felicidade,
no encontro com a beleza.
Alguém já disse que “a busca da liberdade
não significa apenas ser livre de alguma coisa,
mas ser livre para alguma coisa mais importante“.
Eu concordo.
A liberdade de crer em Deus nunca seria simples sujeição
a princípios religiosos, mas a busca dos grandes valores espirituais:
a ética para se viver bem com o próximo,
a busca da justiça, a solidariedade,
a misericórdia e a compaixão pelos oprimidos e violentados.
Se propostos na religião, ou na vida,
a mesma se envolveria com a liberdade e a beleza.
Então, como Tiago, no evangelho, faríamos outras perguntas:
Onde Deus está, na religião, se não no conflito
e na luta contra  o sofrimento?
O AMOR É UMA FONTE QUE TRANSBORDA
Tudo que você precisa saber de mim…
Sou um homem perturbado por muitas causas,
das quais não consigo encontrar o princípio.
Sou, ao mesmo tempo,
um ser consciente, ou inconsciente,
dos problemas do meu destino.
Deslizo nas ondas da maré agitada, na enchente,
e soprada por fortes ventos contrários, na vazante.
Embora flutuando, ao sabor das tempestades,
uso minha bússola, se ela não me enganar,
navego no rumo de ventos mais calmos,
porque sou amante da paz.
Então, preciso tornar-me cônscio
das causas que determinam minha consciência,
sob determinismos, ansiando por libertar-me.
Sei que sobrevivo por causa dos atributos de uma mesma substância,
no meu corpo.
Spinoza também apontava em Eros o desejo do meu corpo,
e do meu ser narcísico:
“nesta vida, nosso principal empenho é mudar
o corpo da nossa infância,
e a natureza deve permitir que os dois mudem.
Para que seja estruturado o projeto humano“.
E, então, lembrava Spinoza, “meu corpo deve amar a Deus,
mesmo que seja somente a ideia de Deus“.
Em consequência, “meu corpo será afetado pelo amor de Deus,
que deve ocupar a maior parte dos meus pensamentos“.
Lutero disse: “amar é o mesmo que odiar-se a si mesmo“…
Porém, se eu não amo a mim mesmo, pergunto:
“o amor mata o que fomos, no passado?
O amor mata o que podemos ser?“.
William Blake, sobre o transbordamento do amor
para fora do meu corpo e do mundo, disse:
“exuberância é beleza, como conteúdo depositado.
Uma fonte, porém, transborda o conteúdo“.
No princípio do amor, queridos, o corpo,
o desejo, é um reservatório, um lago onde Narciso se contempla.
Mas, o amor pode ser, também, a fonte da vida,
que transborda em criatividade solidária.

UM DIA DE BELEZA E PUREZA PRIMITIVA
Procuro o dia mais puro que o dia mais claro,
onde as árvores se desenvolveriam
no mesmo modo que um lugar
em que são vistas deliciosas paisagens.
Maravilhosas como jamais se viu na superfície do mundo,
alimentadas como é o amor da água ao lindo bosque ao redor.
Um dia mais belo, em toda a sua profundidade,
enquanto o sol penetraria na manhã com sua luminosidade efusiante.
A atmosfera, sem variações, ofereceria um crepúsculo
mais suave que tudo que há acima, no ar superior,
com requintes e matizes tão perfeitos que pareceriam defeituosos.
Vivemos num tempo em que tudo ondula em heresia e pureza primitiva, e se torna ortodoxia.
Quem sonha diante de águas límpidas, porém, sonha poesia.
A ilusão pretendida de controle do mundo real faz-nos pensar…
No seio de uma alma existem movimentos,
pessoas, agitação e calma, que se confundem
com as minhas variações interiores.

DESPERTANDO DAS TREVAS
Na beira da lagoa contemplo purezas primitivas.
Mesmo quando são turvas, as águas,
elas nos convidam a um profundo devaneio.
Se o céu refletido na superfície das águas
pode ser a imagem da nossa alma,
o verdadeiro céu, acima de nossas cabeças,
pode ser também um sonho interior…
um mundo que se recria através dos sonhos,
e das utopias libertadoras.
Trata-se de sonhar um mundo que precisa ser recriado.
Interiormente, em primeiro lugar.
É o sonho que perscruta, na profundeza das águas,
a profundidade e o interior da alma.
Quem ousa imitar um grande sonhador,
pretende mergulhar fundo no interior da alma,
talvez a minha, talvez a de um povo,
para entender que o que se passa no mundo exterior.
Imerso nas profundezas, basta sonhar o que não foi sonhado.

REDEMOINHOS E PROFUNDIDADES
As águas e abismos,
amiga, devem ser contempladas
como se estivéssemos num sonho.
Porque um devaneio ajuda a elevar
a alma profunda de um sonhador,
quando em busca de alimento para a alma,                                               no fundo dos abismos encobertos pelas águas.
O movimento das águas, os redemoinhos
e as correntes d’água,
refletem o mundo real em que vivemos.
Encontro-me na margem de um lago de águas profundas,
composto de limo, pedras, pássaros e árvores,
e outras plantas e arbustos vicejantes.
Um devaneio diante de águas límpidas
faz minha alma encontrar o seu repouso.
O descanso do sonho de um amor,
que poderia ter permanecido puro para sempre,
contudo, jamais me aconteceu.
[|]
UM LAGO PROFUNDO EM TERRAS ESCURAS
De fato,
procuro um firmamento de luz,
estendido sobre a terra escura,
e ainda mais impenetrável que a noite mais profunda.
Em cada lagoa há reflexos de um céu estreito.
Um céu que emerge do mergulho
no mundo subterrâneo da alma.
[|]
SONHOS DA PAIXÃO VARANDO A NOITE
O teu amor é maior que o meu,
mas aumenta o meu valor.
Um amor, se exaltado, deve dominar uma vida,
e arrastar outras vidas para os píncaros mais agudos.
Um amor verdadeiro, na plenitude,
não cuida da pessoa, mas do ideal,
Deve possuir uma unidade superior,
acima do desejo e do sexo.
Nos sonhos noturnos,
varamos a noite escalando os mais elevados montes
da paixão.
Não é possível impedir que os sonhos
revelem mais vontade de viver um grande amor,
como o meu.
Porque mergulhado no sonho está o equilíbrio do universo.
A vontade de viver em paz.
Pode ser que envolvidos no sonho,
mergulhemos em águas profundas.
Mas conhecemos por muitas vezes os redemoinhos,
que arrastam para o fundo a paixão.
Não deveríamos nunca nos deixar levar pelas correntes,
nem permitir que sejamos sugados para o fundo das águas traiçoeiras.
Deveríamos ter sonhos de pousar, para depois voar.
E não sonhos de permanência.
Mas existe sempre o “mas” que nos espera.

O PÁSSARO E SUA PLUMAGEM MATIZADA
O sol refletido nas águas do rio parece arrastar-se
como um pavão se arrasta pelo chão.
Imagens maravilhosas evocam cores matizadas,
nas asas, no peito, e na cauda em leque em cores vivas.
Mas logo me vejo olhando seus pés…
De novo, me vejo obrigado a olhar os seus pés.
Trata-se do modo como te vejo me olhando.
E, pergunto: onde se fixarão teus olhos bons,
e onde se deterão teus olhos?
No lago raso, nas águas claras,
tu podes me ver.
Exibindo-me tal como o pavão
abrindo a sua cauda em leque,
para ostentar suas cores diante de teus olhos,
Te chamo para observar minha plumagem.
Enquanto isso, escondo a feiura dos meus pés,
para que não vejas a realidade
da minha vida sem sol e sem luz.
Porque te amo em segredo,
enquanto me esforço para te seduzir.

UMA SABIÁ NO ALTO DA ÁRVORE
Uma sabiá olha sua imagem
refletida no espelho d’água.
Do alto do ramo ela se contempla,
e se vê como se fosse outro sabiá.
E então ela imagina que caiu no rio,
e gorjeia até esgoelar-se,
e arrebenta a garganta.
Para atrair sua própria imagem,
e salvar-se.
Como se fora outra imagem,
engana sua própria alma,
E o faz com tanta graça e beleza,
que se poderia imaginar que ela canta
somente para se fazer ouvir.
Diante de outros olhos.
Mas chega a hora
e o momento de desfazerem-se
as obscuras transições da alma
que se engana a si mesma.
A qual pretenderia atingir as proporções
de um desenho perfeito sobre a beleza do ser.
E existir.
Contudo, é o eu que deve afirmar-se,
para ser aquilo que ele realmente é.
Isso acontece na hora sem nome.
Hora que se imaginava eterna…
Hora em que eu, criança,
deixa de olhar vagamente para o céu,
para me ver pisando no chão da terra.
Hora de experimentar
o verdadeiro sentido de mim mesmo,
e despertar das trevas interiores.
E acordar dos enganos do pavão que se imaginava
como um outro pássaro ainda mais belo.
Inutilmente, o pavão quando pisa  no chão                                         mostra o que são os seus feios pés.

PENSEI QUE NUNCA MAIS TERIA SAUDADE
[1]
Um dia sonhei que caminhava nas trilhas
de uma selva imensa.
E me deparei com ipês roxos gigantes.
E chovia fino, uma garoa muita intensa,
dessas que passeiam pelas matas.
A floresta tinha cores que variavam em tons diversos.
E nos troncos das árvores, belas em sua majestade secular,
cipós entrelaçavam os galhos e os ramos.
Ali viviam as mais lindas e parasitárias orquídeas,
confundidas com as cores secretas dos passarinhos.
Vi o tiê-sangue e o curió, e vi rolas morenas ciscando na clareira.
Imaginei-me, então, no meio da neblina azulada.
E quis morar na beira do bosque, e viver ali, numa choça de palha.
[2]
Na porta teria latas de beijo roxo, azul e branco;
cravos, dormideiras amarelas, vermelhas, cor de rosa,
penduradas na janela.
E um varal de bambu no quintal.
Pensei que nunca teria saudade,
e nem precisaria da companhia da mulher.
E que a nostalgia estaria sempre longe;
que bastava, para felicidade completa,
que o sol entrasse todos os dias pelas frestas da janela.
[3]
Mas, faltava a mulher morena, pele queimada de sol,
que também tomasse conta do meu coração.
Não me alegrava mais a madrugada vencida pela passarada,
A orquestra de passarinhos, tocando uma sinfonia,
festejando mais um romper do dia.
Então, tudo aqui ficou mudo, eu fiquei sem ninguém,
sozinho, na roça, cantando tristeza com o meu violão.       (Homenagem a Rolando Boldrin)

FORÇAS CEGAS INCONTROLÁVEIS                                               [1]
Deus é um sopro leve e suave,
na experiência que alcançamos de sua bondade,
ternura, misericórdia e cuidado.
Deus sugere coisas importantes para a minha e a sua existência.
Minha amiga, meu amigo,
tantas vezes somos submetidos a furacões,
e verdadeiros terremotos.
Sei que há forças cegas e incontroláveis,
que abalam nossas estruturas.
Pretendendo fazer-nos sucumbir,
devorados por incêndios que também devoram a alma.
[2]
Devemos sentir-nos como parte dessas realidades,
amiga, amigo.
Não precisamos de muitas elaborações
para concluir que os seres vivos brotam de sementes,
que nascem, crescem, produzem frutos,
e voltam para o ventre acolhedor da terra,
enquanto as sementes dos frutos deixados sobre a terra
continuarão a expressar a beleza da vida criada.
É preciso prestar atenção:
“Se o grão que cai na terra não morrer, ficará só;
mas, se morrer produzirá muito fruto (Jo 12,24).
“É morrendo que se vive para a vida eterna”, disse também o santo
que amava as coisas pequenas e aparentemente insignificantes.

LIVRO QUATRO                                                            FERIDAS QUE NÃO CICATRIZAM
Trago feridas e cicatrizes profundas em minha biografia,
Sei que somos, homens e mulheres, solidão e consciência.
Mas não estamos sós no universo, ensinou M.Buber.
Há um Tu que perpassa o tempo,
E nossa existência, constantemente,
Permanentemente, que não nos permite
Deixar de ouvir os gritos dos oprimidos,
Lançados na noite dos tempos.
Uma Voz que ecoa pelos escombros
Dos edifícios incendiados que desabam.
Essa voz me diz que estou vivendo,
Que sou um ser trágico,
Envolvido em tragédias sucessivas.
Apresento-me no desenrolar
De desastres e incompreensões.
Homens e mulheres, somos infelizes,
Não temos receitas nem remédios
Que nos curem e nos livrem
Da nostalgia do elo perdido
Na escuridão do tempo.
Enquanto trilhamos caminhos,
Peregrinos errantes, nômades sedentos,
Na buscam inefável de uma casa
E de um leito para descansar,
Ao fim do caminho,
Depois de termos somente recebido negativas.
No deserto das inconsciências
Um grito lancinante é lançado
Para dentro do espaço infinito
No qual somos condenados a viver.
Precisamos ser salvos de nós mesmos.

QUEM POSSUI A CHAVE DO UNIVERSO?
Disseram-me que eu poderia ter a chave do universo,
Que somos, homens e mulheres,
Chaves capazes de abrir todas as fechaduras,
O imaginário das artes e das religiões
Me informavam que é possível esgotar
Todas as formas do conhecimento da vida.
Dei de cara comigo mesmo,
Enquanto descobria, embora andasse descuidado,
Que perder o trem da história me traria vantagens,
Já que seus vagões de ferro ameaçam descarrilar
A qualquer momento.

EM MEU PEITO AS MARCAS DO MEU TEMPO
POEMAS PARA HOJE
“…ali, na profundidade que ninguém consegue chegar, onde
está a raiz da raiz, o broto do botão, o céu do céu, a árvore da
vida, onde tudo floresce, acima do que a alma pode esperar,
ou o pensamento pode alcançar, e isto é a maravilha que se
pode buscar além das estrelas”.
[Derval Dasílio, homenageando W.Whitman]

Hoje o inevitável aumento das chances de morrer,
A cônscia aceitação da culpa no fato do assassínio;
Hoje o dispêndio de poderes
No enfadonho, efêmero panfleto e no comício chato.
Hoje as consolações provisórias; o cigarro partilhado;
As cartas no celeiro à luz de vela e o concerto improvisado,
Os gracejos masculinos, o mau gosto dos mesmos.
Hoje o abraço canhestro, insatisfeito, antes da dor.
As estrelas estão mortas; os animais não veem;
Estamos sós com o dia que nos coube, o tempo é curto
e a História em vias de derrota
Pode-se dizer um ai, mas não pode absolver
E nem ajudar o que sofre.

[Walt Whitman]

RECONSTRUÇÕES – Elisa Franchiani
Me desconstruo e me refaço a cada instante, passo por mutações constantes, gosto de colagens, recortes de imagens .
Ora mergulho em águas turbulentas, ou flutuo suavemente sem tormentas, num lago de azul grafite. Escalo com esforços sobre humanos, picos íngrimes, desafiadores e num deserto de areias escaldantes me desfaço de mim mesma em meus suores.

Suplico por um prato de alimento e ofereço banquetes opulentos onde o champanhe borbulhante em valiosas taças, passa de mão em mão.
Sou rede e cansaço o pecado e o pecador, sou a distância e o espaço, sou o riso e a dor

Sou a pia batismal, a água da vida, sou a mortalha, a urna funerária, começo e fim, cheganças e partidas.
Me escrevo e me apago na areia, me volatizo e condenso, me edito e deleto, sou ao mesmo tempo, pescador e sereia, caçador e presa, escuridão sepulcral e vela acesa.

Sou o chão e a semente, sou o erro e o perdão; o calor que abrasa , a nevasca a geada, sou o raio e o trovão.
Sou a mina e o mineiro, sou o carro, sou o boi, o ferrão e o carreiro, sou a carta e o carteiro, Sou réu e juiz, cantor e canção.

Sou a luz sou as trevas, sou a calma e o tormento, o passado e o presente, sou a moura do rio, a princesa encantada, a terra no cio, semente germinada, sou o fogo e água, sou bruxa sou fada,

Mil pedaços de mim, em cacos de espelho me estilhaço,
Me exumo e fênix, renasço, me abraço, me abraço, me abraço.

[*]
A IDEIA DO PERDÃO
Há na ideia do perdão
algo além do simplesmente humano.
O impossível age no processo
de um perdão incondicional,
uma vez que o perdão
que perdoa o imperdoável
é um perdão impossível.
Ele faz o impossível,
proporciona o impossível,
perdoa o que não é perdoável
(Jacques Derrida).

A ORAÇÃO DOS ATORMENTADOS
Somos condenados à aflição,
porque insistimos em orar em favor de nós mesmos,
e nunca conseguimos satisfazer anseios mais profundos,
sem Deus.
Destinados a caminhar por toda a vida,
“porque a cada caminho percorrido
surge outro para percorrer” (Agostinho),
não podemos parar, nem nos abster,
porque um imperativo categórico nos empurra,
sempre para a frente, não nos deixando em paz,
empurrando-nos para uma odisseia
que não vai acabar nunca.
Enquanto não há um ato libertador,
o Espírito é um vento bravo que não cessa,
na direção de uma “terra prometida”
que parece nunca chegar.
Um ser humano é um arco retesado,
ou uma flecha apontando para estrelas inatingíveis,
disse alguém, com extrema sabedoria.
O desconhecido seduz, por isso, como ser humano,
rompo barreiras, e quero irromper em regiões ignotas.
Gosto de decifrar enigmas, e de preencher espaços vazios,
sem saber por quê vivo assim.
Sei que vivo atormentado, na inquietude permanente,
nunca me acalmo, à espera.
Sei que forças incompreensíveis nos arrastam para o infinito,
inclusive a morte, enquanto buscamos o absoluto,
completo, acabado em definitivo, imersos na finitude.
Por isso, pensamos sobre nós mesmos,
e sobre as razões da existência humana,
sempre procurando respostas,
para as perguntas de um questionário que nunca chega ao fim.
É preciso orar, e descansar na espera de Deus.
Não posso duvidar, se duvido mergulho no desespero,
e me sujeito ao pior dos infernos, que é a desesperança.

HOJE
(Taiguara)
Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo
Hoje
Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas
Trazem a lua, a rua às minhas mãos
Mas hoje,
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas
Na solidão das noites frias por você
Hoje
Homens sem medo aportam no futuro
Eu tenho medo acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte
Hoje
Homens de aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte
Sorte
Eu não queria a juventude assim perdida
Eu não queria andar morrendo pela vida
Eu não queria amar assim como eu te amei
[Taiguara]
———–_
QUEM POSSUI A CHAVE DO UNIVERSO?
Disseram-me que eu poderia ter a chave do universo,
Que somos, homens e mulheres,
Chaves capazes de abrir todas as fechaduras,
O imaginário das artes e das religiões
Me informavam que é possível esgotar
Todas as formas do conhecimento da vida.
Dei de cara comigo mesmo,
Enquanto descobria, embora andasse descuidado,
Que perder o trem da história me traria vantagens,
Já que seus vagões de ferro ameaçam descarrilar
A qualquer momento.

ANDORINHAS VOANDO ACIMA DO MISTÉRIO DA EXISTÊNCIA
[1]
Filósofos gostam de contar fábulas, narrar histórias, construir ou repetir mitos.
Mas tudo isso constitui entraves para a inteligência,
a razão cartesiana que eles eles amam.
É desse modo que lendas e fábulas nos parecem obstáculos
intransponíveis à esperança de vida, aqui e no além,
segundo abstrações a respeito do antes e do depois da vida.
Se conformadas com os muitos credos existentes, meu caro,
a morte, é uma realidade irrefutável.
A vida depois da morte é um assunto
que sobrevoa os mistérios da existência.
Ou você tem alguma certeza sobre esse assunto?
[2]
“Somos, homens e mulheres, andorinhas do mar,                                        de asas enormes e pés minúsculos,                                               de modo que somos condenados                                                        a passar toda a nossa vida fugindo                                                           e voando acima de furacões e tempestades.
Porquanto, não podemos permanecer pousados                              em algum lugar que nos dê segurança permanente.
Mas, temos as asas da imaginação.
Podemos voar.
Não temos como explicar o mistério da imaginação,
na experiência humana,
do mesmo modo que não sabemos, no uso da razão,
explicar porque existem transcendências deslumbrantes,
como o amor, a misericórdia, a compaixão e a solidariedade…”
[3]
“Do mesmo modo, não sabemos também a origem de imanências, como o ódio, a raiva, a vergonha, o medo, a impotência,
a submissão à fatalidade…                                                                     e, do mesmo modo, à crença
e a especulação absurda do destino imutável.
Herança do homem e da mulher oprimidos e inseguros
sob incertezas incontornáveis.
Somos condenados à aflição, transtornos
e inquietude permanentes,
porque refletimos somente em favor de nós mesmos,
negando a existência de outros.
Por tudo isso, nunca conseguimos satisfazer anseios mais profundos na busca da plenitude e da existência livre, com os demais”.

CADA CAMINHO LEVA A OUTRO CAMINHO
Oh, Deus! É impossível imaginar a vida sem liberdade.
Determinada por um mistério profundo,
a liberdade confunde-se com os mistérios da existência.
Shakespeare, na boca magnífica de Hamlet,
falou sobre “ser ou não ser”, sem dizer sobre o que é “ser”…
Resta-nos tão somente caminhar por toda a vida
em busca da plenitude, do infinito, “porque a cada caminho percorrido surge outro para percorrer”,
já dizia Agostinho. O santo sábio.
[-]
Amigo, por que não podemos parar,
nem nos abster desses enfrentamentos?
Você sabe que um imperativo categórico nos empurra sempre pra frente, não nos deixando em paz,
forçando-nos a uma odisseia que não vai acabar nunca.
Enquanto não houver um ato libertador do Espírito, meu caro,
o Vento Bravo atormenta, e não cessa de nos instigar.
Caminhamos na direção de uma “terra prometida”,
sempre distante, à qual, parece, nunca conseguiremos chegar.
Um homem — ou uma mulher, claro! –,
pode acreditar no mistério da vida,
E também pensar no que está indo para além das estrelas.
E nem mesmo se contentará com isso.
O ser humano é um arco retesado, grávido de aspirações,
sempre apontando sua flecha para alvos
aparentemente inatingíveis.

ATORMENTADOS E ARRASTADOS PARA O INFINITO
O desconhecido nos seduz, meu caro.
Por isso, somos seres humanos
buscando romper barreiras,
irrompendo em regiões ignotas.
Precisamos decifrar enigmas,
necessitamos preencher espaços vazios,
sem saber como e por quê devemos deslindar mistérios.
Somos, assim, atormentados.
Porque um homem e uma mulher que pensam
vivem seus dias na inquietude,
e nunca se acalmam.
Forças incompreensíveis nos arrastam para o infinito…
Queremos a plenitude.
Por isso, precisamos pensar nas razões de nossa existência.
E também sobre nós mesmos.
Sempre procuraremos respostas,
diante de um questionário terrível que nunca chega ao fim.
É preciso entregar-nos ao Mistério.
Nos submetermos às preces,
refletindo e descansando na espera de Deus…
Senão a loucura vai tomar nosso espírito de vez.

O AMOR É A COISA MAIS TRISTE QUANDO SE DESFAZ
É triste, quando um amor se desfaz,
indo embora com o vento.
Quando levado para o alto, desfeito,
ele voa como uma pluma arrancada de uma flor.
Desaparece.
Como o céu, que estivera ao alcance da mão,
antes, um romance desfeito não deixa esquecer os afagos,
o calor do corpo, as carícias.
Os beijos e abraços, que pareciam intermináveis,
transformaram- se em desalento,
sumindo como o vento.
Os abraços de ontem amarguram a alma.
Ainda sentidos nos lábios, e no corpo,
a falta dos beijos e abraços de ontem doem na alma,                amargurando ainda mais quem sofre as perdas do amor.                       Tudo se desvaneceu,
transformado em desalento.
Um romance voou para a distância, além…
Foi pra longe o arrebatamento que tomava meu coração.
O vento levou.
Chora o amado ou amada,
na nostalgia do abandono.
Érico Veríssimo nos empolga, ainda,
quando nos lembramos das histórias que contou na trilogia “O Tempo e o Vento”.
Assim, temas de grandes histórias,                                                antes das telas sem projeções em alta definição.
Histórias que acabaram por dominar nossas lembranças.
E o vento levou…
[Recordações do filme “Gone With The Wind”].

FOLHAS BALANÇANDO NA CUMEEIRA DOS BOSQUES
Cada manifestação da natureza, contemplada,
cada murmúrio do vento,
é motivo para um poema de amor.
A linguagem do amor, associada ao vento,
lembra seus movimentos.
Como se diz,
ninguém sabe de onde o vento vem nem para onde vai.
Com o vento, nos observamos interiormente,
como se pode ver na folhagem
balançando a cumeeira dos bosques.
A alma se entreabre aos mais suaves alentos,
ventilada, como predisposição à calma
e ao repouso do amor bem vivido,
dos quais muito necessitamos.
Em contemplação.

SIGO NUMA JORNADA QUE NUNCA TERMINA
Neste monólogo, falo com você, e lhe peço um pouco de atenção.
Não queira me pedir emprestado uma cadeira para sentar,
não tenho nenhuma cadeira, porque nunca me sento,
não tenho tempo, estou seguindo uma jornada interminável.
Não posso parar.
Não tenho mais uma cátedra para ensinar,
não tenho um banco na igreja,
não tenho uma ideologia permanente.
Posso mudar de lugar, sempre, quando quiser.
Não conduzo alguém para uma mesa de restaurante,
não levo discípulos à biblioteca para ler os livros que escrevi,
nem levo ninguém à bolsa de valores,
ou a um banco para fazer investimentos.
Não entendo nem quero entender de dinheiro.
Quero entender do amor, da ternura, do cuidado,
da compaixão e da solidariedade.
Ao contrário, em minha jornada o caminho é sem atalhos,
sem vácuos na consciência, e sem exceções éticas.
Alimentado pelo desejo de justiça, e nunca da vingança,
vou seguindo o meu caminho.
Uma mochila e um par de sandálias resistentes me bastam.
[1]
Você me dirá, se quiser caminhar comigo,
como buscar justiça se juízes são iníquos,
apoiados por ministros superiores,
constitucionalmente corrompidos,
assalariados pelo poderoso “grande capital”,
sem rosto e sem nome?
Por que não vemos que somos uma nação de corruptos,
onde um corrupto rouba de outro ladrão,
enquanto milhões morrem de fome.
E quer botar o dedo no nariz do outro,
ignorando que além da justiça corrompida,
empresários roubam do povo, do trabalhador,
do governo, através de propina sistemática,
com auxílio de políticos congressuais
eleitos por homens e mulheres igualmente corrompidos.
E todos oprimem o pobre e desamparado.
E há também os imbecis,
estes que se valem do sufrágio universal em busca de privilégios nos cargos públicos.
Porque conduzem homens gananciosos ao poder,
para roubar do pequeno e do desprotegido.
Aparentemente intolerantes à corrupção,
eles, os imbecis, ao mesmo tempo,
favorecem a ascensão de indivíduos oportunistas para o comando da nação,
na política, no judiciário, no liberalismo empresarial ladrão,
todos unidos na espoliação dos comuns, como eu e você.

SUBINDO A COLINA DOS JUSTOS
Ei, amigo, você quer subir comigo à colina dos justos,
para onde se dirigem cidadãos e cidadãs                                         com desenvolvimento moral mínimo,
necessário para manter ativos cérebros críticos,
capazes de reverter o quadro de cinismo
e pessimismo que toma a coletividade nacional neste momento?
Porém, convido e conduzo cada homem e cada mulher
que me quer seguir para subir essa colina,
e lá me encontrar, sem nada receber além daquilo que aponta a justiça e a igualdade nos direitos fundamentais.
Em meditação, debaixo do céu estrelado,                          perscrutando o universo a olho nu.
Busco o silêncio, a calma dos ventos,                                                   o canto dos pássaros, para com eles aprender.                                             Entre vocês que me procuram,
estará alguém necessitado do meu abraço,
e eu o convidarei a por a mão na minha cintura,
e se apoiar e descansar, depois de subir até onde estou.
Minha mão esquerda lhe apoiará,
e eu permitirei que me abrace, me enlace,                                      que me beije.
Eu retribuirei.
Minha mão direita, porém,
apontará as paisagens, mostrará uma estrada.
Mas advirto, é uma jornada que nunca termina.
[1]
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada senão sozinho.
Mas eu posso lhe sugerir um roteiro.
Amar os homens e as mulheres,
encantar-se com as crianças e os adolescentes,
ter confiança nos jovens;
ter compaixão, ser solidário com quem luta por seus direitos.
Não está tão longe assim, esse caminho.
Vem comigo subir a colina,
embora saibamos que somos poucos,
mas capazes de não bater em retirada do lugar onde se pensa
e se tomam as decisões importantes,
pensando no futuro próximo dos nossos meninos e meninas,
nos netos e netas que estão nascendo para um mundo novo.
Eles precisam saber sobre a justiça, a igualdade nos direitos.
Estes que transparecem na cor de sua pele.

NO JOGO, COM AS CARTAS NA MÃO
Vem, e junte-se ao mínimo de homens e mulheres
que não jogam com as mesmas regras                                                                           da imoralidade cultivada na corrupção exposta, explícita, consentida.
Torna-se impossível a mediação para novos compromissos,
com o fim de mudar as regras de um jogo moralmente inferior,
contaminado.                                                                                                                  Você integrará um nível minimamente superior                                                         na esfera de princípios, neste momento.
Você ainda pode ser decisivo.
Mas não pense que vai sair ileso, na decisão.
Saiba que na vida real se impõem jogos diferentes.
Diversos níveis morais constituem as regras desse jogo.
Porém, não pode haver empate,
ou exceções éticas para se alcançar o melhor resultado.

CAMINHANTE, VOCÊ DESENHA A SUA ROTA
Estaremos realizados, nessa jornada?
Meu espírito, porém,                                                                                disse que não venceremos essa fase sozinhos
para seguir em frente
Você também me pergunta, e eu escuto.
Só respondo o que posso responder,
não devo responder as demais que desconheço
Você tem que descobrir por si mesmo.
Senta um pouco, viajante que me procura,
tem biscoitos para comer,
tem um pouco de leite para você beber,
e queijo para comer. Depois, durma.
Você precisa dormir                                                                               e relaxar o corpo em lençóis limpos e frescos.
Lavarei sua roupa.
Quando você acordar, beijo seu rosto e lhe dou um abraço.
Despeço-me, depois, e abro o portão para você partir.
Você vai seguir seu próprio caminho,
não precisará da minha companhia                                               para cumprir sua própria jornada.
Está ao seu alcance andar nessa estrada a vida toda.
Em toda parte, nas rotas sobre a água e sobre a terra.
Pega sua bagagem e parta…
Eu pego a minha, e vamos em frente.
Andarilharemos por cidades maravilhosas e nações livres.
Conheceremos os que têm os melhores pensamentos.
Pelo caminho, se você se cansar, me entregue os fardos,
descansa a mão no meu ombro.
Quando for a hora, você fará o mesmo por mim.
Sei que você fará por mim.
Depois de partirmos novamente,
não vamos mais parar nessa estrada.
Seguiremos juntos, cada um cumprindo sua jornada.
Veremos o amanhecer, enquanto subimos a colina.
Eu já contemplei o céu abarrotado de estrelas, uma vez.
Eu disse ao meu espírito quando abraçava as esferas celestes
e olhava o mundo lá de cima, nas alturas.
Esse é o caminho…

O FUTURO E O INFINITO
Uma equação quântica, na física de Max Planck,
ou Einstein, pode até instrumentalizar a razão
para cumprir uma função demonstrativa,
sob a teoria da relatividade com o fim de explicar
a expansão da inteligência humana,
num universo também em contínuo crescimento.
Mas não pode levar-nos ao raciocínio sobre o Infinito,
nos mistérios que envolvem o passado,
o presente e o futuro, quanto à natureza
e destino do homem e da humanidade.
Mas, da Finitude, talvez possamos dizer muitas coisas.

AINDA HÁ TEMPO PARA OS POEMAS DE AMOR
Tire a sua roupa, mulher,
quero ver seus peitos cuja rigidez o tempo tirou.
Vejo através do algodão bordado,
fino e transparente,
que seu corpo é belo e desejável.
Você não tem culpa das rugas em seu corpo,
tantas vezes o emprestou para o amor,
para as carícias de quem lhe amou.
Ou quando entregou seus seios,
para amamentar os filhos
e filhas que lhe deram netos.
São seios nobres.
Você, mulher, não é culpada do cansaço
que as lutas lhe causaram.
Em sua velhice
ainda há vitalidade para os embates do leito.
Você não é descartável,
mas digna de veneração.
Seu corpo ainda engravida de magia,
merece o amor.
Dele já saíram raízes e brotos novos
que exaltam suas origens.
Seu corpo merece deitar-se debaixo das árvores,
e descansar no leito de folhas verdes
nos dias do outono.
Sempre haverá quem lhe diga: — estou na área,
ávido de amor, incansável no leito.
Vem comigo…
ainda há tempo de mergulhar “no infinito de nós dois”,
e ler os poemas do amor que nunca morre…
Nunca morre!

SOMOS TERRENO ONDE SE PLANTAM POMARES
Nada entra em colapso terminal,
onde reinam as folhas verdes.
Então, nada pode impedir a vida,
Ando pela vida afora,
escolhendo caminhos em encruzilhadas,
e se fosse moribundo,
me sentiria no corpo de uma criança recém-nascida,
pronto para tomar meu chapéu,
e chapear minhas botas para poder andar mais…
e mais, até cair na terra em últimos suspiros.
Sei que não somos terra infértil,
carente de adubos e nutrientes,
Somos terreno onde se plantam pomares,
e bom para um jardim.
Sou companheiro, amigo, amiga, e gosto das pessoas.
Mas sei, pelo menos imagino,
que todas são portadoras do amor imortal,
embora não se concebam assim,
impenetráveis e diferentes entre si.
Mas tenho o cuidado de imaginá-las assim,
belas em seus mistérios.

QUINTO LIVRO
DAS CHEGADAS E PARTIDAS

O TEMPO É UMA ADVERTÊNCIA…                                                Na velhice, o tempo me adverte sobre as últimas escolhas que devo fazer. Imaginemos que o tempo  possa fazer a lua murchar, e que é preciso socorrer o luar, como dizia Tom Jobim, na canção:                     É preciso gritar e correr, socorrer o luar./                                                     Abre a porta pra noite passar,/                                                             Olha o sol da manhã./                                                                 Olha a chuva,/                                                                                      Olha o sol,/                                                                                   Olha o dia a lançar serpentinas./                                            Serpentinas pelo céu, sete fitas coloridas./                                     Sete vias, sete vidas,/                                                                           Avenidas pra qualquer lugar.

FOLHAS VERDES NO OUTONO DA VIDA
Sou teimoso, amigo, amiga,
insisto que devemos assumir a identidade das folhas verdes
sopradas pelos ventos do outono.
O menor broto na relva orvalhada
mostra que a morte é insignificante.
Foi uma sorte ter nascido, e poder dizer,
na velhice,
que ainda há folhas verdes no outono da vida.
E se um dia a folha secou,
em seu lugar nasceu outra que vai respirar,
sem interromper a cadeia de vida,
e ajudar a árvore a gerar frutos que prolongarão a vida,
infinitamente,
com sementes e frutos que alimentarão as aves
que sairão voando pelo céu,
ou depositando ovos nos ninhos.                                                         O tempo não impede a chuva de molhar a terra,                             de encher o rio.                                                                                     De lavar o céu cheio de nuvens negras, e trazer de volta o azul dos dias de sol.                                                                                       O riachinho de água limpa não pode ser impedido                                 de se lançar às águas calmas do rio.                                                            O jasmineiro continuará a florir de branco as tardes,                   mesmo aquelas tardes de Gardel, tardes gris,                                        onde gotas úmidas banham flores perfumadas.                               As roseiras nem sabem que sua fragrância será exaltada pelos poetas,                                                                                  continuarão a presentear olfatos,                                                          mesmo os contaminados pela poluição das cidades sem jardim.     O tempo não impede amores puros,                                                  nem é dono dos pensamentos dos amantes.                                        Nem impede os passarinhos de passear na calçada molhada,            ou saltitarem nos jardins impregnados de primavera.

LAMPEJOS DE ETERNIDADE                                                             O sol brilhando e fazendo o céu mais azul,                                         as rochas refletindo os raios de sol com seus cristais,                           a areia fofa da praia onde enterro meus pés,                                 revelam-me lampejos de eternidade.                                                     O sol, o céu, o brilho dos cristais, não dependem do tempo.          Duram dentro da eternidade.                                                           Sempre estiveram e sempre estarão ali,                                                 como contraponto à finitude humana.                                                        E só podemos sentir gratidão por sermos humanos                           e poder contemplar essas realidades                                            enquanto estamos participando das mesmas,                                observando algo que está fora do tempo.                                      Tudo isso nos oferece a sensação da eternidade.                                 A permanência das coisas belas estimula                                          a vontade de contemplar ainda mais o que nos é dado ver,   sentir e gozar, enquanto nos aproximamos ainda mais do infinito.
A VELHICE ME FAZ SENTIR A INFINITUDE DAS COISAS    Mas o tempo alerta para as escolhas que devo fazer,                           em minha velhice.                                                                                  Uma delas é não acreditar no tempo,                                                mas usá-lo com prazer.                                                                       Desse modo não penso na finitude,                                                   nem em escatologias.                                                                         Assim, posso sentir a infinitude das coisas belas.                      Contemplar a eternidade das coisas bonitas                                                é um caminho bom para ser feliz,                                                              e para antecipar a plenitude da vida.

Comparo a sensação de vácuo do tempo ao prazer indescritível de estar no meio das plantas, num bosque, em meio a árvores que brotaram, tantas vezes, mais de um século atrás. Cheirar o húmus por toda parte, ver orquídeas selvagens enlaçando os troncos onde se hospedou um dia uma semente trazida por uma ave qualquer. Ver e ouvir os pássaros que ali construíram seus ninhos, e depositaram ovos que fizeram eclodir novos pássaros sem interferência do tempo. E ouvir seus sons diferentes, do nascer do sol ao entardecer. Assim, posso contemplar o infinito, e concordar com Emmanuel Lévinas: é de Deus que vem a ideia do infinito e da eternidade.
NÃO ACREDITO NO TEMPO                                                            O tempo não impede a chuva de molhar a terra, de encher o rio. De lavar o céu cheio de nuvens negras, e trazer de volta o azul dos dias de sol. O riachinho de água limpa não pode ser impedido de se lançar às águas calmas do rio. O jasmineiro continuará a florir de branco as tardes, mesmo aquelas tardes de Gardel, tardes gris, onde gotas úmidas banham flores perfumadas. As roseiras nem sabem que sua fragrância será exaltada pelos poetas, continuarão a presentear olfatos, mesmo os contaminados pela poluição das cidades sem jardim. O tempo não impede amores puros, nem é dono dos pensamentos dos amantes. Nem impede os passarinhos de passear na calçada molhada, ou saltitarem nos jardins impregnados de primavera.

O sol brilhando e fazendo o céu mais azul, as rochas refletindo os raios de sol com seus cristais, a areia fofa da praia onde enterro meus pés, revelam-me lampejos de eternidade. O sol, o céu, o brilho dos cristais, não dependem do tempo. Duram dentro da eternidade. Sempre estiveram e sempre estarão ali, como contraponto à finitude humana. E só podemos sentir gratidão por sermos humanos e poder contemplar essas realidades enquanto estamos participando das mesmas, observando algo que está fora do tempo. Tudo isso nos oferece a sensação da eternidade. A permanência das coisas belas estimula a vontade de contemplar ainda mais o que nos é dado ver, sentir e gozar, enquanto nos aproximamos ainda mais do infinito.

Mas o tempo alerta para as escolhas que devo fazer, em minha velhice. Uma delas é não acreditar no tempo, mas usá-lo com prazer. Desse modo não penso na finitude, nem em escatologias. Assim, posso sentir a infinitude das coisas. Contemplar a eternidade das coisas belas é um caminho bom para ser feliz, e para antecipar a plenitude da vida.

Comparo a sensação de vácuo do tempo ao prazer indescritível de estar no meio das plantas, num bosque, em meio a árvores que brotaram, tantas vezes, mais de um século atrás. Cheirar o húmus por toda parte, ver orquídeas selvagens enlaçando os troncos onde se hospedou um dia uma semente trazida por uma ave qualquer. Ver e ouvir os pássaros que ali construíram seus ninhos, e depositaram ovos que fizeram eclodir novos pássaros sem interferência do tempo. E ouvir seus sons diferentes, do nascer do sol ao entardecer. Assim, posso contemplar o infinito, e concordar com Emmanuel Lévinas: é de Deus que vem a ideia do infinito e da eternidade.

O corpo, as carícias, os beijos e abraços que pareciam intermináveis. Transformaram-se em desalento, sumindo como o vento. Cada manifestação da natureza, contemplada, cada murmúrio do vento, é motivo para um poema de amor. A linguagem do amor, associada ao vento, lembra seus movimentos. Como se diz, ninguém sabe de onde o vento vem nem para onde vai. Com o vento, nos observamos interiormente, como se pode ver na folhagem balançando na cumeeira dos bosques. A alma se entreabre aos mais suaves alentos, ventilada, como predisposição à calma e…

Tudo parece impossível, se não difícil de explicar, quando se trata de falar do tempo. Como explicar o êxtase, especialmente se for daqueles incomparáveis? Uma felicidade estética é inexplicável, o jeito é senti-la. O mesmo se dá com o tempo. Sentir o tempo é reconhecer a vida num cotidiano de simplicidade. Sem preocupações com o óbvio, posso descrever essa felicidade, quando muito, como sensação de estar ligado a outras existências alcançadas pela contemplação, pela curiosidade, pela ternura e a doçura de visões maravilhosas. Observar as cores de borboletas esvoaçantes, seus movimentos no meio das árvores, buscando o néctar que nunca se esgota, porque é infinito, permite-me gozar com o tempo que me é dado.
Lévinas disse que procuramos alhures a transcendência do infinito, quando de fato o infinito está no rosto do próximo, o ser-humano, o rosto de outro homem – ou de outra mulher.

FOLHAS VERDES NO OUTONO DA VIDA
Sou teimoso, amigo, amiga,
insisto que devemos assumir a identidade das folhas verdes
sopradas pelos ventos do outono.
O menor broto na relva orvalhada
mostra que a morte é insignificante.
Foi uma sorte ter nascido, e poder dizer,
na velhice,
que ainda há folhas verdes no outono da vida.
E se um dia a folha secou,
em seu lugar nasceu outra que vai respirar,
sem interromper a cadeia de vida,
e ajudar a árvore a gerar frutos que prolongarão a vida,
infinitamente,
com sementes e frutos que alimentarão as aves
que sairão voando pelo céu,
ou depositando ovos nos ninhos.

TERRENO ONDE AINDA SE PLANTAM POMARES
Nada entra em colapso terminal,
onde reinam as folhas verdes.
Então, nada pode impedir a vida,
Ando pela vida afora,
escolhendo caminhos em encruzilhadas,
e se fosse moribundo,
me sentiria no corpo de uma criança recém-nascida,
pronto para tomar meu chapéu,
e chapear minhas botas para poder andar mais…
e mais, até cair na terra em últimos suspiros.
Sei que não somos terra infértil,
carente de adubos e nutrientes,
Somos terreno onde se plantam pomares,
e bom para um jardim.
Sou companheiro, amigo, amiga, e gosto das pessoas.
Mas sei, pelo menos imagino,
que todas são portadoras do amor imortal,
embora não se concebam assim,
impenetráveis e diferentes entre si.
Mas tenho o cuidado de imaginá-las assim,
belas em seus mistérios.

POEMA PARA ANNY
Foi embora a luz mortiça da tarde crepuscular
Na noite iluminada que há muito escondeu o breu
Chorei por dentro com medo de nunca mais te ver
Aprendiz da vida, nunca aprendi a conviver com o tempo
E temi que a máscara de oxigênio não fosse suficiente
Para garantir que viverias para que de novo
Voltasses aos braços meus, e pudesses receber outra vez
Meus beijos, e de novo poder estreitar teu corpo
Com o carinho do meu amor, perdido em teus braços,
Perfumados com o cheiro molhado que teu corpo exala
Vi, então, a vida passar olhando-a como se olha o calidoscópio
As peças mudando de posição a cada movimento
Para os lados, para baixo, para cima, mas sem perder
O brilho das cores em cada peça e em cada desenho
Que se forma na dança das cores que não se repetem
Por mais que insistamos em reformar as imagens já vistas.

INSUSTENTÁVEIS SEGREDOS DA ALMA
[1]
Sei de segredos escondidos
em cada página do livro da vida.
Entre eles te encontro na palavra misteriosa do amor.
Sei, porém, que teus segredos são invioláveis,
e que ao mesmo tempo
eles não representam uma realidade
que não queres revelar a ninguém.
E, nem deves oferecer revelações que não queres,
ao mundo à sua volta.
[2]
És mais bela porque também escondes os teus segredos,
as coisas secretas guardadas aos olhos dos demais;
as coisas que não te confundem com a multidão,
e nem por isso trazem desolação à alma de alguém.
[3]
Alguém como tu.
Alguém, minha bem amada,
que tenha feito de um juramento um poema;
que tenha escolhido uma estrela,
apenas, nas miríades do céu estrelado,
para te encontrar entre as constelações.
Alguém que tenha sido alvo de promessas de amor,
que tenha dito que és maior do que tudo que existe,
e que tenha prometido amar-te por toda vida.
Esse alguém deverá ser considerado traidor,
se cantou em versos a revelação dos teus segredos.
Porque jamais se exige de quem amou,
e a quem se entregou, revelando seus segredos,
que devesse ser retribuído da mesma maneira.
[4]
Porque é sagrada a inviolabilidade dos segredos
de uma alma amante.
Segredos são guardados no quarto proibido
dos contos de fada.
Pois o amor é um conto de lealdades,
e não de traições.
É ilícito e perigoso romper a fechadura desse quarto.
Não devo, jamais, querer saber tudo sobre quem amo,
e assim mantê-la à mercê do medo e da traição possível.
[5]
[Quando eu te amo,
tua alma desliza para dentro do meu abraço,
e teu corpo penetra nas profundezas do meu corpo].
Conheço-te, amada, e tudo farei
para manter-te desconhecida,
sem o medo de seres violada em teus segredos.
Recuso-me a saber tudo sobre ti,
pois é o teu mistério que me aproxima de ti
e me faz amar-te.
[6]
O sol na pele, o sabor lembrado, do beijo,
o gosto na língua,
o cheiro,
o perfume de jasmim nos teus cabelos,
fazem parte dos teus mistérios.
Um segredo faz parte da comunhão
de um ser com seu eu profundo.
Segredos se confundem com as variações
e ilusões do mundo real,
onde se misturam lembranças,
arbustos verdejantes,
limo nas rochas,
pássaros,
chuva fina encharcando a relva,
orvalho nas flores,
e o próprio seio de uma alma profunda.
Felizmente indescritível e indevassável.
O aparentemente insustentável peso de amar em segredo, contigo, minha querida, torna-se uma leve pluma esvoaçando sobre as árvores de um bosque em flor.

PENSANDO NAS MULHERES SEM CARÍCIAS
Cada um tem seu modo próprio de cuidar de sua essência,
não importa se macho ou fêmea, branco, negro, incolor
Penso que todos deveriam saber que foram meninos,
passarinhos que voaram acima das nuvens,
sonharam com heróis e heroínas,
que seu voo os levariam para além dos horizontes,
em busca do paraíso.
Penso que os orgulhosos logo conhecerão
o desprezo dos humildes,
Penso nas viúvas e nas solteironas
privadas do amor e do corpo de um homem para amar,
nas mulheres abandonadas,
sem sexo, sem carícias
e sem a oportunidade de um amor viril.
Penso nas mães das mães,
que compartilham o amor dos netos e bisnetos.
Penso nos lábios obsequiosos que oferecem beijos,
o hálito de goiaba e morangos,
os cheiros sensuais e o mel do amor.
Penso nas crianças e seus pais…
penso muito, como penso nos nossos netos.

ESTÁVAMOS JUNTOS
Quando éramos cercados por fanáticos que nos queriam impedir de circular na esfera das misericórdias e da compaixão, encastelados em supostas certezas — quando deveriam apontar a dúvida –, julgando-se acima das dúvidas. Quando não imaginávamos que a dúvida é adequada, acima de tudo, porque a dúvida pergunta sobre a significação da justiça e da liberdade, quando as mesmas foram substituídas pela opressão dita como proteção e segurança.
Estávamos juntos, quando mergulhados no sofrimento da culpa a nós atribuída sem sentido; quando estávamos presos ao desassossego ou desespero; quando andávamos pelo vale escuro de uma vida vazia e carente de sentido; quando sentíamos a separação e distanciamento da realidade por alienação convicta; quando nossa inconsciência era mais profunda do que deveria ser, atribuída aos inocentes ao nosso redor; quando sacrificávamos formas de viver a alegria e a beleza, as riquezas íntimas das escolhas livres.
[-]
Agora estamos juntos quando duvidamos… Quando duvidamos da sanidade daqueles para quem a opressão deve tornar-se a finalidade do poder, contra o sentido mais universal e radical da justiça e da liberdade. Contra com a alma inteira, entregando-nos com todo coração às imagens luminosas, belas, do universo lindo em sua liberdade original.
[-]
Walt Whitman faz-se acompanhar, numa ode à liberdade e justiça:
Retorne em paz ao oceano, meu amor. Sou também parte deste oceano, meu amor – nós não estamos tão separados. Contemple a grande curvatura – a coesão de tudo, como é perfeita! Mas, quanto a mim, a você, o irresistível mar irá nos separar. A hora nos carrega, distintos – mas não pode nos carregar assim para sempre. Não seja impaciente – por um pequeno espaço – Eu te conheço, eu saúdo o ar, o oceano e a terra. Todo dia, no ocaso, por você, meu amor. Eras e eras, retornando em intervalos. Invulnerado, imortal errante”.

ESTÁ MORTO O NOSSO AMIGO [W.H.Auden]
I.
Parem os relógios, desliguem os telefones,
Impeçam o cão de latir, atirem-lhe um osso suculento,
Para que ele se cale.
Silenciem as cordas do piano, abafem o som do tambor.
Tragam o caixão, permitam o choro das carpideiras.
Deixem os aviões zumbir no ar, e escreverem no céu a mensagem:
“Está Morto o Nosso Amigo”.
Ponham laços de crepe nos pescoços,
Brancos como os das pombas de rua.
Mandem guardas de trânsito usar
Luvas pretas, no cortejo.
II.
Ele era o meu norte, meu sul, meu leste e oeste.
Era minha semana de trabalho, meu descanso no domingo.
Meu meio-dia, minha meia-noite,
Minha prosa, minha canção.
Errei também quando pensei que ele,
Como o Amor, ia durar para sempre.
Eu estava enganado.
III.
Estrelas já não são necessárias,
Tirem cada uma do mapa celeste.
Embrulhem a lua, desmantelem o sol,
Esvaziem o oceano e varram as árvores da floresta.
Pois nada mais agora pode ter algum valor…
[Versão: Derval Dasilio]

FALTAM PALAVRAS NA TRISTEZA DO ADEUS
Eu sei que no amor há chegadas e partidas
Chegamos e partimos juntos…
Escuto os ruídos de uma noite insone,
Os olhos fechados mergulham-me numa escuridão ainda maior.
Quando abro os olhos percebo que ainda é noite.
Há silêncio, um silêncio profundo.
Você, ainda a meu lado, parece triste,
Porque me disse adeus, mas não foi embora.
Se o adeus existe, há tristeza,
E eu convido você a vir comigo para ver o nascer do dia,
E você não quer…
Porém, me acompanha no silêncio.
Faltam palavras para explicar a tristeza do adeus.
Tanta tristeza existe, e você não vem comigo.
Prefere o silêncio, eu também…
[-]
A noite é calma e silenciosa.
Olho pela janela e vejo nuvens brancas
Tocadas pelo vento, iluminadas pela lua.
Nuvens que parecem fugir da escuridão sobre a terra.
O mundo inteiro dorme, no silêncio da noite,
À espera do amanhecer.
Desaparece da vista,
Enquanto a lua diminui seu brilho,
Deitando-se depois da colina.
No frio silêncio da noite aguardo a madrugada,
Queria que esta noite não terminasse nunca,
Para o dia não iluminar seus passos e nossos caminhos,
Quando nos separarmos
E estivermos sozinhos.
Mas a madrugada vem chegando,
Logo vai romper o dia, e você mais uma vez vai me deixar.
[-]
Não tenho mais ilusões,
O sol já vai raiar clareando o céu
E mais uma balada triste será ouvida.
Na manhã do adeus não falamos de perdão,
Porque não há o que perdoar.
Então, penso em você, fugindo da solidão noturna.
Na raiz da alma, um sonhador lamenta em tristes ais,
Como se fora possível, com a tristeza e os prantos,
Livrar-se da solidão ao raiar do dia…
Porém, as noites permanecerão, e retornarão,
Sobrecarregadas de paixão mal vivida à luz do dia,
E pela tristeza dos abandonados.
Porque um amor não vive somente ao fio do tempo noturno,
Nem desaparece aos primeiros raios do sol de um novo dia.

DA ALVORADA AO ENTARDECER DA VIDA

Todos os dias começam com a alvorada. Choveu de madrugada, mas o claro da manhã faz tudo acordar ao redor. O galo cantou, e não tem jeito, o dia brota e as fontes continuarão a minar. Logo o céu azula na linha do mar, graças ao sol, e vem para clarear ainda mais o dia. Há sinais de eternidade acompanhando a alvorada. Também no rio que corre sempre para o mar, ou nas ondas que sempre batem nos rochedos, e depois se dissolvem na praia. E nasce o dia. Eternamente.
1.
Impossível é fugir do sentido panorâmico do nascer do sol. Nietzsche nos lembra da alegria nas alvoradas. O nascer do sol, para ele, é um ato de uma decisão irrevogável. O retorno da vontade de poder mudar as coisas, transformar o mundo. Quem sabe erguer-se a cada manhã, desperto para a vida, assume seu destino com vontade. Os primeiros raios de sol são símbolos da juventude: “Quero fazer o sol nascer. Sou o vigia da noite que vai proclamar a hora de despertar… a noite é uma longa necessidade de despertar”, disse o pensador. Desse modo, a eternidade exposta força o reencontro diário do ser com a necessidade dos outros seres. Os quais também merecem viver alvoradas na liberdade, projetando um mundo novo possível.
2.
Quem conseguiu a serenidade, apesar das agulhas venenosas, atiradas contra nós, das quais temos que nos desviar; apesar dos pesadelos e ingratidões que fazem chorar, e das ilusões incutidas no tempero da ganância, pode alegrar-se com a alvorada. O universo de Nietzsche equivale ao universo de Cartola, que também lembrou que “o mundo é um moinho”, um imenso moinho que gira sem parar, triturando o mesmo trigo, o mesmo alimento, para fazer o mesmo pão. Tal universo recorda o que fazer, para alimentar a vida, e não não para extingui-la.
3.
Minha amiga, meu amigo, saudemos juntos as impulsões de cada novo dia. Estou contigo, se também estás aguardando o novo que vai chegar. O galo da madrugada já cantou…                                        O sol brilha a cada manhã,                                                                                o sol traz impulsões sempre jovens.                                                   A vontade de ver o renascimento da vida                                    aparece em cada alvorada.                                                                   Cartola cantou:                                                                                   Alvorada lá no morro                                                                               Que beleza                                                                                  Ninguém chora                                                                           Não há tristeza                                                                     Ninguém sente dissabor                                                                        O sol colorindo é tão lindo                                                                   É tão lindo                                                                                                   E a natureza sorrindo                                                                     Tingindo, tingindo                                                                                    A alvorada…

ANTOLOGIA                                                                   VERSÕES – DO JAZZ À MPB

O MEU AMOR                                                                                                O meu amor vê teu amor assim
Assim como um jardim
De flores novas
Por teu amor
O meu amor sem fim
Plantou dentro de mim
Um “pé de trovas”
E cada verso
É um botão de flor
Anunciando o amor
A primavera
Que faz do tempo uma quimera
E a nossa vida mais sincera
E o nosso amor, um grande amor
Teu coração
Jardim dos meus jardins
Me cobre de jasmins
Cravos e rosas

Meu coração
Teu carrilhão de sons
Te enfeita de canções
Versos e prosas
Cada canção é feito um beija-flor
Beijando o meu amor
Em nosso leito
Fazendo um ninho em nosso peito
Um ninho amor, de amor perfeito
E desse amor
Perfeito amor…
                                                                                    (Paulo César Pinheiro)

Paz do Meu Amor
Você é isso: Uma beleza imensa,
Toda recompensa de um amor sem fim.
Você é isso: Uma nuvem calma
No céu de minh’alma; é ternura em mim.
Você é isso: Estrela matutina,
Luz que descortina um mundo encantador.
Você é isso: É parto de ternura,
Lágrima que é pura, paz do meu amor.
(Luiz Vieira)

Menino Passarinho                                                                Quando estou nos braços teus
Sinto o mundo bocejar
Quando estás nos braços meus
sinto a vida descansar
no calor dos seus carinhos
Sou um Menino Passarinho
Com vontade de voar
(Luiz Vieira)
Valsa Brasileira
Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu
Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer
Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer

(Edu Lobo – Chico Buarque)

O Amor Em Paz                                                                               Eu amei                                                                                                     E amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar                                                                                E chorei
Ao sentir que iria sofrer,                                                                        E me desesperar.
Foi então                                                                                             Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você,                                                                                       A razão de viver
E de amar em paz.                                                                                  E não sofrer mais,
Nunca mais.                                                                                 Porque o amor
É a coisa mais triste                                                                      Quando se desfaz.
O amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz                                                                             
(Tom Jobin/Vinicius de Morais)

I’ll Take Romance                                                                                   Vou me entregar a esse romance
Enquanto meu coração ainda é jovem,
e ansioso por voar nos braços de uma mulher.
Vou empolgar e inflamar meu coração
Vou me entregar a esse romance,
Vou me entregar a esse romance,
Enquanto meus braços ainda são fortes
e ansiosos por envolver você.
Estou ansioso por voar nos braços de uma mulher,
Vou me entregar a esse romance.
Então, minha amada,                                                                     Quando você me quiser, me ligue.
No silêncio da noite, eu vou…
Quando você me ligar, na noite silenciosa,
Vou sair correndo para viver com você
o meu primeiro e verdadeiro romance.
Enquanto meu coração ainda é jovem,
Ansioso por uma noite de amor,
Vou me entregar a esse romance, com você.
Vou me entregar a esse romance, com você.
Vou lhe entregar meu coração totalmente.
Vou me entregar a esse romance, com você.
Vou me arriscar, sem nada temer,
Enquanto meus braços ainda são fortes
e ansiosos por envolver você,
Ansioso por voar nos braços de uma mulher
Vou me entregar a esse romance, com você.
Então, minha amada, quando você me quiser, me ligue
No silêncio da noite, eu vou…
(Hammerstein / Oakland)                                                                  (Versão: Derval Dasilio)

How Deep Is The Ocean
Quer saber o quanto eu te amo?
Eu vou te contar uma verdade cristalina.
Quer saber quão profundo é o oceano?
O quão alto é o céu?
Quer saber quantas vezes durante o dia
Eu penso em ti?
Quantas rosas num jardim,
No sereno da madrugada,
são banhadas por gotas do orvalho?
Quer saber a que distância eu iria, viajando,
Só para estar a teu lado?
Quer saber quão longa é a jornada no espaço
Para se chegar até uma estrela distante?
E se eu algum em algum tempo te perder,
Quantas lágrimas eu derramaria?
Quer saber quão profundo é o oceano?
O quão alto é o céu?
(Irving Berlin)
(Versão: Derval Dasilio)

Você Está Só Esta Noite
Você se sente sozinha esta noite?
Você sente falta de mim esta noite?
Você sente a nossa separação?
Suas lembranças se voltam a um dia ensolarado,
Quando eu beijei você pela primeira vez,
E chamei você de meu amor?
Nos lugares da sua casa,
E na sala onde você está, não tem ninguém?
Você olha pra a porta, pensando que vou chegar?
Seu coração sofre como o meu, vamos voltar?
Diga querida, você está sozinha esta noite?
Queria saber, você está sozinha esta noite?
Alguém já disse que o mundo é um palco, você sabe,
E cada um tem seu papel.
O destino brincou comigo,
Fez-me amar você com imensa doçura.
Eu amei você desde que vi você pela primeira vez,
Você recitava seu texto de maneira tão inteligente…
E jamais perdia uma deixa.
Então veio o segundo ato,
Você mudou, e agia de forma diferente.
Nunca vou saber porque.
Querida, você não disse a verdade,
Quando disse que me amava.
Não havia motivos para duvidar de você.
Preferiria ouvir suas mentiras
Do que continuar vivendo sem você.
O palco está vazio, agora
E eu estou inerte lá no meio.
Está vazio, sem ninguém comigo no palco.
Se você não voltar para mim,
Descerre a cortina…
Seu coração sofre como o meu,
Vamos voltar?
Diga, querida, você está sozinha esta noite?
Are you lonesome tonight
(Lou Handman / Roy Turk)
(Versão: Derval Dasilio)
I Will Wait For You
EU VOU TE EPERAR                                                                             Os ponteiros do relógio girarão
Minuto por minuto, segundo por segundo
Até chegar a hora, enquanto te espero
Quando a espera terminar,
E chegar a hora do teu retorno
Ao encontrar-nos, tu correrás para mim…
Não importa a demora,
Eu vou te esperar.
Por mil verões, que sejam,
Eu vou te esperar,
Até que tu voltes para mim.
E fiques a meu lado,
Até eu te abraçar.
E ouvir teus suspiros,
Nos meus braços.
Não importa o lugar,
Quando a espera terminar,
E chegar a hora do teu retorno
Ao encontrar-nos, tu correrás para mim…
Não importa a demora,
Eu vou te esperar.
Por mil verões, que sejam,
Eu vou te esperar,
Até que tu voltes para mim.
(Hoagy Carmichael / Ned Washington) –                                          (Versão: Derval Dasilio)

Guardei no baú das memórias as canções que ouço José Carreras cantar. Ouvi Carreras e Kiri Te Kanawa, hoje, cantando Gershwin, Hammerstein, Rogers, Cole Porter, com os olhos umedecidos pelas lágrimas da saudade:

Dream In My Heart.                                                              “Tenho um sonho, eu nunca perdi o sonho que tenho.                Meu coração conserva doces visões.                                                        É como uma luz intensa que brilha na escuridão das tormentas,  Luz que me guiará para sempre.                                                        Fecho meus olhos, sinto você novamente                                   Quando sonho, eu sonho,                                                                         quero continuar sonhando com você.                                            Desejaria ser também o seu sonho…                                                Como gostaria de ser seu sonho.                                                  Sonho. Sonho cada dia, e você está perto deles.                       Memórias foram semeadas e renascem, quando sonho com você, /Desejaria que o sonho durasse para sempre.                             Toda vez que fecho meus olhos eu sei que você está ali               Então, de novo, sonho com você                                                    (Andreas Carlsson /David Krueger /Per Magnusson.),                                         (Trad. livre: Derval Dasilio)

Deep In My Heart, Dear                                                               No Fundo Do Meu Coração
A magia da primavera está à nossa volta.
Há encantamento sob a suave luz da lua,                                    nesta noite vestida de prata.
O suave murmúrio das aves, ouve-se no arvoredo.
No fundo, nas sombras, seus olhos fitam os meus.
E dentro deles, brilha uma chama mansa e tênue.
Há leveza no vento da noite enluarada
Preenchida com o aroma de rosas orvalhadas…
Oh, eu amo, vivo, enquanto lhe confesso meu amor.
Seu amor me impregna,                                                           guardado no meu coração,                                                                  como o perfume de rosas que invade sutilmente os meus sentidos.
No fundo do meu coração, querida,  sonho com você.
Sonho à luz das estrelas, enquanto aspiro o perfume
De rosas úmidas do orvalho da noite.
Se seguirmos caminhos diferentes,
Eu vou me lembrar de você para sempre.
No fundo do meu coração, querida,
Sempre sonharei com você.
Esperei a vida toda para dizer as coisas que estou lhe dizendo, querida.
Acredita nas minhas palavras,
Olha nos meus olhos, você verá que eles sorriem.
As lágrimas desapareceram, agora que lhe disse
Que seu amor me impregna
Minhas apreensões eram falsas, caíram no vazio.
É o começo de um lindo dia, agora que posso ter você
Quando estou nos seus braços, amor,                                            Todos os dias são lindos.
[Oscar Hammerstein]

POSFÁCIO

A semente ou o germe da criação poética, a imaginação criativa de um poeta, creio, não tem como ser explicada. É o que dizia Neruda ao carteiro, no filme encantador  (O Carteiro e o Poeta) que todos vimos. Não é preciso buscar qualquer resultado funcional. Nem mesmo para agradar especialistas, críticos literários. Se bem que suas apreciações são bem-vindas. Li e apreciei um comentário crítico da obra poética de Walt Whitman, por Rodrigo Garcia Lopes, poeta que me impressiona desde a juventude, quando li os poemas do grande poeta norte-americano do século dezenove. Descobri que o universo de um homem corresponde a uma comunicação íntima, interna, na qual é impossível determinar uma substância passível a uma obediência estilística. Preferi a prosa poética, a liberdade que evita rimas e métricas, enquanto meditação e contemplação nas quais se decifraria a intimidade com o mundo poético e suas belezas. Disse Rubem Alves, “fora da beleza não há salvação”.  Procurei, desse modo, “salvar-me”…

Assim, preferi também buscar a alma que sofre, apaixonada, ou a alma que exulta nas coisas.  A agitação do oceano corresponde à agitação da alma. As desgraças que ocorrem no oceano, naufrágios, tempestades, convulsões, têm uma correlação inevitável com os ruídos lúgubres, os urros dos lobos aflitos, intestinos, que perturbam a felicidade de um homem. Não sei se sou entendido. As metáforas  da felicidade ou das aflições humanas me perturbam, nesse primeiro ensaio poético.

Para mim, o som dos remoinhos nos riachos da minha infância, as cores das flores aquáticas, lírio, lótus, vitória régia, ninfeia,  permanecem em minha  imaginação, ao mesmo tempo que revelam a vitória contra o realismo, através das imagens permanentes fixadas na história de qualquer homem, ou qualquer mulher. Fico com a imaginação criadora contra o pretendido realismo. Quero ouvir e nomear as flores, seus suspiros leves, como os que percebiam minha mãe, ao cuidar de seus jardins em cada casa onde morou. Quero vê-las florescer em versos soltos, sem rima e sem métrica. Quero também a suavidade das cores nas imagens descritas, mesmo quando em sua leveza transporta alguma melancolia ou tristeza.

Precisamos ver a beleza de alguma coisa, sentir o gosto dos licores doces, os sons que emanam do vento, da chuva, do mar quebrando na praia; o perfume das flores enquanto caminhamos num jardim, e transportá-los para a poesia. Nossa alma tem necessidade da poesia que tem gosto, som e cheiro, enquanto temos anseios do silêncio contemplativo, das coisas que se calam para que tenhamos o repouso da alma. Antes de ser feliz, o homem precisa de repouso. Não sei como dizer mais, ao terminar esse livrinho despretensioso. Obrigado pela leitura. Espero ter-lhe agradado.

Derval Dasilio                                                                               Outono de 2020