Perguntaram a Rubem Alves: Qual seria a sua resposta se uma criança de dez anos de idade lhe perguntasse o que é fé? – “Usaria uma metáfora poética para dizer o que é fé. Fé é aquilo que uma pessoa que voa de asa delta tem de ter no momento de se lançar no espaço vazio, do alto. Sem medo. Ter fé não é acreditar em seres do outro mundo, anjos, céu, inferno e nem mesmo no ‘deus’ que sai da boca dos homens. Ninguém precisa do diabo para acreditar em Deus. Fé é uma atitude perante a vida, intraduzível em palavras. Sobre essa confiança nos lançamos às incertezas. A fé só existe diante do abismo das incertezas”. Incerteza não é dúvida… incerteza é querer compreender a resposta-padrão do fundamentalismo religioso. Ou compreender as questões sobre o homem, sobre o mundo, sobre Deus, além das âncoras da ortodoxia doutrinal.
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Podemos entender Deus, quando o vemos separado de todas as imagens construídas sobre o que não se pode dizer, porque não há palavras ou línguas sagradas que possam defini-lo. Nem a Bíblia!, onde os escritores apresentam Deus de muitas maneiras, conforme suas crenças: ora nos poemas de fé, ora na boca de contadores de histórias ancestrais, ora pelos profetas, ora pelos sacerdotes, ora pelos guerreiros sanguinários que não hesitaram em exterminar velhos, mulheres indefesas, crianças, para tomar terras e riquezas de outros povos… São modos e crenças para descrever Deus conforme suas necessidades. Porém, todas as vezes que lidamos com a beleza, a misericórdia, o amor e a bondade, estamos lidando com o nome sagrado de Deus. Na Bíblia, os evangelhos são mais claros, quando Jesus descreve-o como a realidade acima de todas as realidades. Jesus chamou-o de Paínho… O que é mais real para uma criança que seu paizinho? Ou sua mãezinha?
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DEUS COMO SÍMBOLO DE PODER É UM EQUÍVOCO
Dizer que Deus é um espírito imutável, símbolo de poder, de sabedoria, de santidade suprema, falar que Ele é a verdade, que é onipresente, onisciente, é o jeito humano de desenhar uma imagem, apenas. Alguns desenham essa imagem como um juiz implacável, ou como um tirano torturador de chicote na mão; outros o desenham como um velhinho sentado num trono celestial mandando anjos fazer o serviço de segurança e proteção de cada um de nós; e outros, como um pai amoroso, complacente, que sempre tira por menos as estripulias dos filhos desobedientes. Pois é, nós apenas desenhamos o que pensamos. Nada tem a ver com a experiência das pessoas sobre o que realmente Deus deveria ser para elas. Por que recusamos um desenho que mostre Deus solidário, em fraqueza, sofrendo diante da imensa maldade praticadas pelos homens e mulheres? Desculpe, mentiria dissesse que você nunca pensou nisso, não é verdade? Através do próprio Jesus, que conhecemos e reconhecemos muito bem como o filho de Deus — ninguém foi tão claro quanto ele, quando descreveu seu Pai como Deus compassivo, bondoso, terno, misericordioso, capaz de estender sua Graça ao mais irresponsável esbanjador das riquezas, graças que nos foram entregues, ao invés de compartilhá-las com os irmãos. O Evangelho antigo fala muito bem do Pai que sofre e chora com os sofredores, sentindo as dores do mundo. Estou com Jesus e não abro. Ele o chamou de Paínho, como se fosse um baianinho lá de Caculé. Quer dizer, Deus é justo na distribuição das dádivas do amor, e terno, ao mesmo tempo.
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NÃO DUVIDO DE DEUS, MAS DAS DOUTRINAS SOBRE DEUS
Uma velhinha de voz trêmula, pele cheia de rugas pediu a um sábio que era ouvido por um grupo: “Fale-nos sobre Deus…”. Fez-se silêncio. Olhou para o vazio. Vagarosamente, um sorriso foi-se abrindo no rosto do apóstolo. “Quantas pessoas aqui na minha tenda estão pensando no ar?”, ele perguntou. “Por favor, levantem uma mão…” Ninguém levantou a mão. Ninguém está pensando no ar. Ninguém nem sabe direito o que é o ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele e nem dizer o seu nome para que ele nos dê os cheiros e os sabores da vida (Rubem Alves, “Perguntaram-me se acredito em Deus”, 2010). Só quem duvida utiliza os desenhos sobre Deus.
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A dúvida sobre a existência de Deus é como uma onda vista de longe, no mar. Mansa à distância… pouco a pouco ela se aproxima. E, de repente, é um maremoto, um monstro espumante, babando, capaz de cobrir alguém e sufocá-lo. Alguém que se afoga em dúvidas só pensa no ar. Deus só é assim, sufocante, para quem duvida. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo, é porque está se afogando nas ondas da dúvida… “Deus é como o vento”, disse João, também. Ele foi um dos escritores do Evangelho. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. E nem adianta perguntar…
Derval Dasilio [*][*][*][*]